«Deve ser-se capaz de viver sem livros e sem nada. Existirá no entanto sempre um pedaço de céu para poder olhar, e espaço suficiente dentro de mim para juntar as mãos numa oração.»
Assim escrevia a 14 de Julho de 1942 Etty Hillesum, jovem judaica holandesa, um ano antes da sua eliminação ocorrida no campo de concentração nazi de Auschwitz, a 30 de setembro de 1943.
Já por várias vezes citámos o seu “Diário 1941-43”, rico de páginas de luta e de amor, de mística e de silêncio. Talvez seja precisamente porque temos à nossa volta tantas coisas e tantas presenças, que perdemos aquele «pedaço de céu» necessário para «juntar as mãos numa oração».
Já não somos capazes de criar um espaço mínimo de quietude e de paz, semelhante a um oásis, para onde nos retirarmos a fim de encontrar a nossa alma e o nosso Deus.
A verdadeira experiência de fé não é, todavia, isolamento e reclusão do mundo. Encerro-me em mim mesmo e no meu quarto para depois sair dele e ser sinal para os outros no quotidiano das opções.
É ainda Etty (ou seja, Ester) a guiar-nos e a sugerir-nos uma oração que nos ajuda a viver a fragmentariedade e a exterioridade do dia, iluminando-a e valorizando-a. Escrevia ela naquele “Diário”:
«Ajoelho-me no áspero tapete de coco, com as mãos que cobrem o rosto, e rezo: Senhor, faz-me viver de um único grande sentimento. Faz que eu cumpra amorosamente as mil pequenas ações de cada dia, e em conjunto reconduza todas estas pequenas ações a um único centro, a um profundo sentimento de disponibilidade e de amor».
Esta é, precisamente, a «única coisa de que há necessidade», como dizia Jesus a Marta: encontrar, através da oração, o nó de amor que reúna todas as «pequenas ações».
(Card.) Gianfranco Ravasi