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Um grupo expressivo de pessoas – 79 signatários – lançam um documento criticando o pontificado de Francisco.  Entre eles há pessoas dos mais diversos perfis: membros de movimentos ultra conservadores como a TFP, pessoas que acham que o Vaticano está acéfalo desde Pio XII, indivíduos que se opõem à posição firme do Vaticano contra a pedofilia.  Há, inclusive, um banqueiro italiano que é, ao que parece, o articulador do documento.

Não é a primeira vez – e pelo visto não será a última – que Francisco é criticado por pessoas de dentro e de fora da Igreja.  Estão ainda frescas em nossa memória os ataques desfechados pelos quatro cardeais que levantaram dúvidas sobre a legitimidade de suas afirmações.  Ou as críticas do cardeal Muller, ex-prefeito da Sagrada Congregação para a doutrina da fé.

Tampouco desconhecemos os sites na internet, as mensagens com pesadas críticas que circulam em redes sociais, entre outras coisas, sobre atitudes, palavras e documentos deste pontificado.  Desta feita, surpreende mais pelo volume de signatários: 79 é um número expressivo e são todos eles leigos, membros do povo de Deus, que expressam seu descontentamento com o sucessor de Pedro. Ao fundo, mais ou menos as mesmas críticas se repetem em uma e outra instâncias.  A dificuldade é com a exortação pós sinodal Amoris Laetitia e sobretudo com a nota de rodapé que trata da comunhão sacramental aos divorciados em segunda união.

Tudo isso suscita em nós perguntas que não querem calar.  Sobretudo  se nos recordamos dos anteriores pontificados, onde qualquer crítica ou suspeita de crítica levantada contra um dos pontífices, seja João Paulo II ou Bento XVI, era imediatamente tachada de insubordinação, infidelidade etc.

Parece não ser a mesma atitude que predomina quando se trata de Francisco.  Seu estilo novo de ser Papa, sua crítica clara e severa a temas como o capitalismo, o clericalismo; sua defesa dos pobres e dos migrantes; sua acolhida e inclusão  a membros de  outras religiões suscitam enorme desconforto em alguns setores mais conservadores da Igreja.  Estes parecem dispostos a não mais disfarçar seu descontentamento e vêm a público para manifestá-lo.

Por que se devia obediência e acatamento sem discussão ao que diziam os antecessores de Francisco e não a ele?  Por que qualquer atitude parecida com a que vemos agora por parte dos signatários desse documento não é declarada cismática e todos os esboços de protestos a seus antecessores eram?  Por que cardeais que vestem a cor vermelha, significando que devem dar seu sangue pelo Papa, se julgam no direito de atacá-lo tão agressivamente e questionar inclusive sua formação e conhecimento teológicos?

Basta uma leitura atenta da Amoris Laetitia e muito especialmente da nota de rodapé em questão para verificar que lá não consta absolutamente nenhuma alteração irresponsável da doutrina da Igreja sobre o matrimônio e sua indissolubilidade.  Consta apenas uma abertura para o discernimento feito de acompanhamento e cuidado pastoral de casais nesta situação, que devem ser levados a cabo pelas instâncias locais que conhecem de perto as pessoas, as situações e sua inserção na comunidade eclesial.

Não se percebe essa boa vontade e esse acolhimento prévio aos acusadores de Francisco.  Ignorando todo o restante do documento, deixando de lado sua perspectiva de misericórdia e abertura aos que lutam e sofrem para seguir fiéis à Igreja dentro de sua vida afetiva e familiar, denuncia-se impropriamente algo que é uma abertura e uma possibilidade, e de forma alguma um revogar da doutrina sacramental eclesial.

Não será que esse pequeno texto da Amoris Laetitia é um pretexto, uma brecha que os adversários do atual Papa encontraram para tentar minar tudo que seu pontificado está trazendo de renovador para a Igreja em sua organização interna e sua face visível diante do mundo e da sociedade?

Não será que os questionamentos a Francisco provêm de pessoas que em seu pontificado perderam as falsas seguranças que tinham, ou o poder que almejavam e se vêem agora diante da necessidade de serem fiéis ao Evangelho e trabalhar pelo Reino de Deus anunciado por Jesus de forma simples e despojada como o faz o próprio Papa.  Não será que os privilégios de alguns se encontram perigosamente ameaçados pela profunda reforma que Francisco realiza na Igreja, inclusive na instituição do Papado?

São essas as perguntas que não querem nem podem calar.  Com elas no coração e diante dos olhos, seguimos em frente, diante de Deus, olhando o dinamismo inquieto e irrefreável do Papa Francisco que a cada dia nos surpreende com sua coragem, sua humildade e sua inteligência espiritual.

Que siga adiante. E como acontece até agora, nada o intimide diante do que vê que Deus pede para o bem da Igreja.  E nos dê a coragem e a fidelidade para continuar embarcados em seu projeto, que trouxe de novo o Concílio, o diálogo, os pobres, tantas coisas fundamentais para o projeto da Igreja nos dias de hoje.  Francisco, tu és Pedro.  Estamos contigo.  Para a maior glória de Deus, hoje e sempre.  Amém.

Maria Clara Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

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