Vivemos em uma sociedade em que o parecer e o ter estão, há algum tempo, ganhando certas disputas com o ser. Facilmente, vemos em banners, outdoors pelas ruas e propagandas na televisão, exemplos de modelos com seus corpos belos e superexpostos; às vezes, para fazer marketing de um produto simples, como perfume ou bebida.
Pouco a pouco, a cultura do belo e do perfeito vão ganhando espaço no inconsciente das pessoas, que acabam normalizando o excesso de exposição dos corpos esculturais e acreditando que esse é o padrão a ser seguido. A crítica ao que vemos cotidianamente acaba sendo enfraquecida por essa capa do “normal”, proposta pelo mundo, passando desapercebido o fato de que, por exemplo, homens olham partes do corpo das mulheres nas ruas. E muitos não ficam apenas com o olhar que, por si só, já é bastante invasivo e desrespeitoso.
Não priorizar o exterior
Com enxurradas cada vez maiores de informações visuais sobre rostos e corpos-modelos, muitos acabam assumindo como verdade algo que, um dia, foi construído por uma cultura que decidiu priorizar o exterior em detrimento do conteúdo. Daí deriva grande parte dos transtornos de imagem.
Os transtornos de ordem psíquica geralmente surgem quando não cultivamos aquele saudável contato com nós mesmos, com o que pensamos em nosso íntimo e os valores que carregamos. O distanciamento que criamos de nós mesmos pode gerar lacunas difíceis de serem preenchidas. Se não existe a decisão de parar por algum tempo e sentir o que carregamos como mais precioso, para escutarmos nossa alma, entrar no terreno sagrado que cada um possui e reconhecer o que é ou não adequado, as coisas externas ocuparão um espaço que deveria ser habitado por quem somos.
Assim, é fácil ser envolvido por modas passageiras, por estereótipos que não condizem com os valores de vida escolhidos, que acabam levando pelos caminhos da massa, do senso comum.
Falando um pouco mais especificamente do transtorno de imagem: a maioria de nós já ouviu falar algo sobre bulimia e anorexia. Esses são os principais comportamentos advindos desse tipo de transtorno emocional, que impede alguém de ver-se de acordo com a realidade.
Sintomas do transtorno de imagem
Quando confrontada com o espelho, a pessoa não consegue enxergar os contornos reais do que vê, geralmente identificando um corpo muito mais gordo do que o real. Imagine que você resolve olhar pela janela e observa que o dia está todo amarelo lá fora. As árvores, os carros, ruas, céu, prédios, tudo adquiriu um tom amarelado estranho. Ao observar mais de perto, você percebe que alguém decidiu colocar uma película colorida no vidro, que tingiu todo o cenário com uma cor diferente do normal: o amarelo.
O que você enxergou era real, por mais estranho que parecesse. Entretanto, a realidade por trás da película continuava a ser colorida com o verde das árvores e o cinza do asfalto.
Uma pessoa que sofre com algum Transtorno de Imagem vive uma experiência parecida. Algo, na sua história de vida, fez com que uma película fina fosse colocada por sobre a realidade, a qual o impede de enxergar as cores verdadeiras de si mesma. E isso é a verdade para ela, ou seja, o que ela enxerga é, realmente, algo que não está lá.
Não são somente as curvas do corpo que se tornam alvos dos transtornos de imagem. Alguns podem apresentar uma preocupação excessiva com o tamanho do nariz, por exemplo, ou pela forma do queixo, dos pés, o tipo do cabelo, dos olhos, dentes etc. A preocupação exagerada pode adquirir um tom de obsessão, fazendo com que a pessoa sinta extremo incômodo por certas partes do seu corpo.
Para entender melhor, esses comportamentos não são iguais àqueles que a maioria tem quando não se agrada de algo na sua aparência. Existem posturas que as pessoas assumem quando querem esconder ou melhorar algum aspecto de sua imagem, como maquiagem no rosto, alisamento do cabelo, roupas e acessórios.
Para alguém que sofre de um Transtorno de Imagem, ou Transtorno Dismórfico Corporal, como alguns especialistas preferem chamar, o comportamento é restritivo, podendo limitar o contato com pessoas do convívio do indivíduo. A obsessão pela perfeição é tamanha, que acontecem casos de agudo isolamento social, gastos excessivos com produtos de beleza ou cirurgias plásticas, buscas incansáveis por imagens perfeitas nas redes sociais e a inevitável comparação de si mesmo com essas figuras, muitas vezes irreais, modeladas por programas de computador.
Origem do Transtorno de Imagem
As origens desses comportamentos podem estar localizadas em um importante rebaixamento da autoestima do indivíduo, que não assume pequenos defeitos e imperfeições em si. Autoestima, autoaceitação e autoconhecimento são três pilares intimamente conectados entre si. Se o indivíduo não tem o costume de caminhar para dentro de si mesmo, reconhecer seus abismos e jardins, seus cantos alegres e sombrios, dificilmente vai se apropriar de quem é, e não terá ferramentas para se assumir e aceitar.
Assim, a falta do olhar para dentro exagera o olhar de fora, fazendo com que qualquer falha minimamente perceptível na própria face ou no corpo seja profundamente rejeitada. A intolerância com o imperfeito toma proporções exageradas, podendo dar a sensação de que nada mais está correto em si.
São comuns estados depressivos para quem sofre desse tipo de disfunção, além de quadros de ansiedade, obsessões de outras ordens, agressividade, isolamento e fala repetitiva sobre o problema no rosto ou no corpo.
Nos próximos artigos, vamos falar um pouco mais sobre esse transtorno, apontar alternativas para lidar com o problema e dar algumas possibilidades de ajuda para quem convive com pessoas que sofrem desse mal.
Milena Carbonari
Psicóloga