Não é de se questionar porque a alegria de um causa incômodo a outro? Uma toalha molhada costuma não ser só uma toalha molhada.
Há coisas que fazemos e que incomodam a outros. É certo que algumas são bem objetivas como a famigerada toalha molhada na cama de alguns casais. Ela além de deixar o colchão úmido, o que não é bom para sua vida útil, colabora na proliferação de fungos e bactérias. Contudo, não são só coisas objetivas que causam transtorno, há coisas subjetivas.
Aqui mora o problema de um mal estar subjetivo. Em grande parte dos casos o problema não é exatamente o outro, está com a própria pessoa que se incomoda. Lembro de uma pessoa se queixar de alguém que sempre chegava à faculdade sorridente, feliz, “elétrico” às 08h. Para a pessoa queixosa, ninguém pode ser feliz assim todos os dias de manhã. O resultado foi que esta passou a sentir certa raiva daquele amigo alegre.
Não é de se questionar porque a alegria de um causa incômodo a outro? E o que dizer das pessoas caladas que são taxadas de “metidas à besta”, “nojentas” ou, simplesmente, de que “não se misturam”? Parece que alguns comportamentos e pessoas suscitam em outros sentimentos de aversão, mas não a todos. Ora, talvez o problema não esteja em quem suscita, mas no olhar que se lança sobre o outro.
É muito comum se criar simpatias e antipatias por impressões superficiais ou mesmo por alguma espécie de comunicação inconsciente. Às vezes uma pessoa que sorria de mais não seja de fato feliz, mas esteja lutando com suas angústias e não queira dar sua tristeza ao mundo. Talvez esteja fugindo de encarar seus problemas ou não considere que os outros precisem saber de suas dores. Acontece que tal sorriso pode ser recebido como uma não-verdade tão evidente que comunique falsidade ou dê a impressão de se lidar com alguém não confiável. Talvez, ainda, tal pessoa cause um incômodo resultante do seu próprio incomodar-se consigo. Objetivamente, seu problema só afeta a si. Subjetivamente, suscita sentimentos em outros.
A responsabilidade pelos sentimentos não é de quem suscita, mas de quem os sente. Se o outro não parece verdadeiro e isso incomoda, o problema do mal estar está na própria insegurança. Pessoas autoconfiantes, no geral, tendem a não se importar com isso. O mesmo acontece com aqueles que não sabem se impor e não têm propriedade sobre si. Estes comumente se sentem mal diante de quem é expansivo. O importante mesmo é saber porque o outro me afeta e o que ele desperta em mim.
Quem não consegue olhar para os próprios defeitos, traumas, inseguridades etc. tende a buscar razões para culpar o outro. Rotineiramente quem age assim faz listas e tece razões para dizer que o outro está errado e que deve mudar. Uma toalha molhada costuma não ser só uma toalha molhada. “É porque você não se importa comigo e meu espaço” – mas aqui deve ser lido como “Tenho problema em me impor porque sempre tive que agradar os outros e, quando você deixa a toalha sobre a cama, faz com que eu sinta meu espaço diminuído. Minha angústia é tão sentida por mim que acredito que você deveria ser atento e notar. Como não nota, entendo que não se importa comigo e meu espaço”. A questão central está entre a ação do outro e minha conclusão final. Nesse caminho tem um sentimento suscitado e uma interpretação da ação. Da parte de quem esquece a toalha pode ser somente falta de disciplina, o que pode ser corrigido com reforço de hábito.
Cabe, antes de taxar o outro, dar voz ao próprio sentimento, saber de onde ele vem e se é suscitado por sua ação ou pelos próprios recalcamentos. Agir sem escutar o coração pode fazer com que troquemos os pés pelas mãos e acabemos por ser injustos. Aliás, quem não teve a experiência de se tornar amigo de alguém que se julgava mal na primeira impressão? Como diz a canção, “as paixões enganam aos que odeiam e aos que amam, porque o amor e ódio se irmanam no fogo das paixões”.
Shows
Saber dar nome e voz aos sentimentos não é tarefa simples. Embora desprezado por “entendidos” de arte e cultura, o cancioneiro popular está com grandes mostras de músicas que expressam o que as pessoas sentem. Não só porque é produto midiático, mas cantores de sucesso costumam falar do sentimento do seu público. Daí num show ou numa mesa de bar alguns cantarem com tanto sentimento e paixão as canções que traduzem o que elas vivem ou o que gostariam de dizer. A sensação de superioridade após o desprezo de alguém encontra voz na música que diz “Sabe aquele gelo que você me deu? Eu tô tomando na balada com whisky e Red Bull”. O vazio de outro encontra eco na que canta “Só ficaram 126 cabides”. Amados por uns, desprezados por outros, cantores populares dão voz aos afetos, seja de modo brega ou não. O importante é soltar a voz.
Por Gilmar Pereira
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF, graduando em Teologia pela FAJE.