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Tesouro em vaso de barro

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O tesouro da fé, com sua força sustentadora, é indispensável alicerce para a humanidade, ainda que as assimilações das práticas religiosas e políticas tenham desvirtuado a vivência da fé. Assim, o que deveria ser uma rica experiência se distanciou da essência da verdade e do amor, próprios desse tesouro, causando prejuízos e perda de credibilidade.

O retorno às fontes da fé, à sua vivência testemunhal, longe das perigosas divisões e tendências ideológicas, comprova a retomada de um caminho iluminado capaz de qualificar a condição existencial de cada pessoa e, consequentemente, a sua cidadania, conduzindo a humanidade na direção do amor e da verdade.

A inteligente referência à imagem simbólica do vaso de barro, que guarda o tesouro da fé, é um recurso com força pedagógica, usado pelo apóstolo Paulo, em sua missão desenvolvida em contextos urbanos semelhantes aos atuais. Um tempo marcado pelas polarizações e arriscada relativização de valores e princípios. A exemplo do que se assiste hoje, grupos e segmentos se digladiavam, provocando preocupante distanciamento do tesouro da fé.

Os argumentos ideológicos na defesa da fé se aproximam, pelos extremos, da conduta daqueles que a instrumentalizam por interesses político-partidários. Conduzem ao caos, acelerando o enfraquecimento das relações entre os que creem. Incapacitam ou impedem que a força da fé reoriente os caminhos da humanidade na direção do amor de Deus. Nesse horizonte, lamentavelmente, os cristãos gastam muito tempo com disputas a partir de suas diferenças. Deixam-se engolir por dinâmicas hegemônicas, de caráter partidário, acentuando ainda mais os distanciamentos.

É fato que as disputas crescentes e as resistências multiplicadas não contribuem para a construção de um novo tempo, e retardam a recepção do que é genuíno da fé, pela Palavra de Deus, com a força própria da tradição. Assim, pode-se perceber que o ponto de partida das divisões não é a autenticidade da fé, mas a disputa a partir de lugares que evidenciam queda de braço entre ideologias de matizes diferentes. O contexto revela um confronto que não encontrará a solução do entendimento e do fortalecimento, a exemplo do que requer a construção de uma sociedade assentada nas dinâmicas do desenvolvimento integral – com crescimento sustentável e relações cidadãs em parâmetros civilizatórios que permitam o diálogo.

Vale pensar o próprio constitutivo da fé a partir da escuta que impulsiona ao indispensável diálogo, capaz de fazer das diferenças a riqueza e a consequente força criativa de reconstrução. Mas, ao contrário, fala-se muito sem escutar integralmente o outro e a si mesmo. Discurso autodestrutivo que se configura por descompassos, rigidez, acusações.

É fundamental ter presente o discernimento de que a palavra do cristão, inspirada pelo Espírito Santo, deve ser edificante, incluir a correção, a crítica necessária e, sobretudo, o compartilhamento de nova compreensão, de entendimentos que construam e desenvolvam novas condutas à luz dos valores do Evangelho. O cristão é morada do Espírito Santo, logo, o que diz e o que faz há de ser movido por esse mesmo Espírito. Na contramão dessa direção e dessas dinâmicas, já não é Deus quem age.

Por isso mesmo, a cidadania civil precisa da qualificada cidadania cristã. Algo que se constrói na vivência da fé e tem seu ponto de partida no retorno à fonte dessa mesma fé. Mas dos assoreamentos dessa fonte, vêm o risco das disputas figadais sem solução, empurrando indivíduos ao contexto de criminalização por falta de respeito à inviolável dignidade de toda pessoa. O momento cultural e sociopolítico, como também religioso, indica a importância de assimilação e práticas que, cotidianamente, devolvam as pessoas à necessária conexão com a força transformadora da fé, recebendo desse tesouro uma sabedoria com claridade própria para entendimentos, correções e alinhamentos em busca do bem e da verdade.

Urge a purificação dos interesses partidários hegemônicos, com a transparência de propósitos e a estrita fidelidade aos valores cristãos inegociáveis, para o retorno à fonte inesgotável da fé e, assim, beber de sua água com toda a humildade. A luz da fé é a única que possibilita enxergar o invisível e tem em si as propriedades para fazer de cada cristão uma força de amor nesta configurada crise, abrindo o ciclo de contribuições que só o evangelho pode oferecer, em diálogos construtivos, entendimentos na busca da verdade e da fraternidade solidária.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

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