A população não pode se deixar contaminar pelas polarizações que costumam ser prejudiciais a todos, com o crescimento de atitudes e posturas violentas. É um cenário ameaçador, que não pode ser considerado normal, mas vem se configurando há muito tempo por diferentes razões. As polarizações consolidam-se, especialmente, a partir da combinação entre irresponsabilidades e desvarios de todo tipo, que se assemelham à “lenha na fogueira”. Acirram ânimos e geram situações que levam à perda do autocontrole e à violência.
Imagine: onde se poderá chegar quando as relações sociais estão em “pé de guerra”, com a relativização do respeito ao outro? A liberdade cidadã passa a ser orientada por intolerâncias, que alimentam o ódio e servem para justificar diferentes tipos de agressão, resultando em tragédias e perversidades. Por isso, não convém subestimar os riscos de extremismos, especialmente os nascidos do fanatismo político. As muitas divisões levam a sociedade a se fragmentar, correndo o sério risco de se desintegrar. As polarizações fragilizam o povo, incapacitando-o para reagir diante de tantos desafios contemporâneos.
Essas perigosas e acirradas disputas não levam a lugar nenhum e, para vencê-las, há um longo caminho a ser pavimentado e percorrido, que contempla investir na justiça, tratando todos com igualdade. Dessa forma, evitam-se impunidades, garante-se a aplicação de penas, independentemente de classe social ou opção ideológico-partidária. É preciso integrar ao dia a dia de cada indivíduo a consciência da necessária moralização norteada pelos parâmetros da justiça: cada cidadão deve ser responsabilizado pelo que fala ou faz.
Há de se descartar a ilusão de que o novo tempo almejado por todos vai ser construído simplesmente com a mitificação de figuras políticas ou religiosas, ou mesmo com o saudosismo de tempos que já se foram. A (re)construção social é processo novo, e não a repetição do passado. Esse processo deve incluir uma justiça capaz de definir penas para quem comete crimes e colocar fim às situações que prejudicam toda a sociedade. A justiça tem, pois, uma tarefa gigantesca, que requer equilíbrio de seus agentes e instâncias, indispensável na condução de todos os processos.
Mas dar rumo novo à sociedade não é somente responsabilidade da justiça. Trata-se de tarefa a ser partilhada por todos os cidadãos. Ao assumi-la, determinante é que se desperte na consciência de cada pessoa a luz de um repensar, oportunidade para a qualificação das próprias atitudes, superando radicalismos. Desse modo, o ser humano capacita-se para o diálogo, consegue compreender as diferenças e articulá-las para o bem de todos. Um movimento bem diferente daquele que promove o acirramento de picuinhas.
O momento atual requer envergadura moral e emocional de todos, especialmente dos líderes, sob pena de se permitir autoritarismos e atitudes tendenciosas, ou mesmo reduzir tudo o que é certo às próprias escolhas e concepções ideológico-partidárias, fazendo aumentar os radicalismos que cegam. Repensar é, pois, um ato de sabedoria, lucidez e de serenidade para encontrar as dinâmicas e parâmetros de um novo agir. Na contramão dessa compreensão, podem se multiplicar os vandalismos alimentados pela mediocridade, pelo ódio e pela intolerância. É hora de cada pessoa repensar suas atitudes, para ser capaz de dialogar e, assim, intuir novas respostas, compreender o caminho da história com a luminosidade de princípios e valores que inspiram qualificadas formas de agir.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte