Que vida medíocre que as pessoas têm assumido! Preste atenção, caro leitor, para você fugir desse lugar tenebroso que é a mediocridade. Tenebroso porque é a penumbra da existência. Nem claro demais para ser uma vida luminosa, nem obscura o suficiente para ter algo de mistério ou fascínio (como a vida de Kafka, cujas marcas da infância tornaram sua obra tão complexa e intensa).
A mediocridade cotidiana bate à porta no simples elogio negado. “Nossa! Que camisa bonita!”, ouve-se. “Que nada! Foi tão baratinha… olha, já até desfiou aqui” – responde-se na busca de defeitos ou traços que diminuam o mérito do bom gosto. Muitos têm problemas em receber elogios e se esquivam a todo custo. O que poderia ser resumido num “obrigado” converte-se em mea culpa e séries de desculpas por ser ou fazer algo bom, como se reconhecer aquilo que se tem de meritório fosse condenável.
Na verdade, a dificuldade em aceitar um elogio costuma estar ligada a ideia de que uma pessoa humilde e, portanto, valorosa deve negar aquilo que for admirável em si. Confunde-se autorreconhecimento com sentimento de superioridade. Contudo, humilde é quem sabe de qual barro ou húmus é feito, quem sabe reconhecer suas virtudes e vícios, talentos e defeitos. Diminuir-se não é humildade; ou é complexo de inferioridade ou superioridade camuflado.
Diametralmente oposto, mas tão problemático quanto, está a negação de qualquer crítica. Avaliar algo como negativo parece ter se tornado crime. Experimente dizer num restaurante que a comida ou o serviço não estavam bons e que, por isso, não está disposto a pagar os 10% opcionais da conta. Em muitas das vezes você será tratado como um crítico excessivo (porque até então “ninguém nunca reclamou”) ou como se tivesse buscando justificativas para não dar a gorjeta que todos dão. O discurso que impera é o de que ser crítico é ser destrutivo, o que cria inimizades. Por isso grande parte das críticas e resenhas sobre filmes, livros, música etc. são recheadas de elogio ou tem os defeitos disfarçados em apreciações superficiais.
A impossibilidade de criticar tem gerado tal acomodação que o serviço precário se tornou cultura. Espera-se num estabelecimento comercial muito mais tempo do que se deveria (seja por falta de pessoal, técnica ou maquinário, seja por falta de capacidade em gerir um negócio) que os próprios clientes justificam entre si que aquilo é normal, “demora mesmo”.
Aqui retornamos no ponto da mediocridade. Há uma geração fraca demais para receber críticas ou elogios. Sua debilidade está na inaptidão de autorreconhecimento, de olhar-se no espelho. Talvez o número excessivo de selfs fotografadas sejam a busca desesperada e inconsciente por si mesmo, pelo próprio rosto (desconhecido). Mas não, apesar de tal tentativa a pessoa ainda não se conhece porque para na superfície das imagens.
A geração medíocre não é inteligente. Inteligência, que vem do latim e significa “ler dentro”, só é possível quando se ultrapassa a aparência. Mesmo imagens devem ser lidas, o que não tem ocorrido nessa época de fluxos midiáticos tão intensos. Textos também não são lidos com inteligência. Por isso há tantos sites publicando matérias de quatro linhas e cinco ou mais fotos grandes, bem como listas de conteúdo tão profundos quanto um pires. “São textos para descontrair ou descansar”, alega-se. Mas a coisa está demasiado generalizada. Textões, por sua vez, também não significam profundidade. Constantemente se vê desprezo pela História e falta de rigor filosófico. Claro que não se pode exigir demais de quem não tem muito a dar. Entretanto, não se pode mais ser conivente com a fragilidade de pensamento protegida pela arrogância.
Talvez seja difícil corrigir os defeitos, por isso uma solução pode estar no desenvolvimento dos próprios pontos fortes. Daí a importância em saber o que se tem de bom e aceitar a própria grandeza, para desenvolvê-la. Afinal, não dá para ser grande em cada coisa que se faz e destacar-se em algo é melhor que ser medíocre em tudo. A penumbra da existência está na incapacidade de sair de si o suficiente para se olhar com objetividade e na impossibilidade de entrar em si o bastante para conhecer-se intimamente. Nem tão claro, nem tão escuro, a vida segue medíocre.
Gilmar Pereira
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF, graduando em Teologia pela FAJE.