A pátria é razão de amor e de respeito, é a terra natal com suas tradições, culturas, histórias e sua língua. Espaço e herança cultural, missão a cumprir. A pátria é um projeto sempre em construção que ultrapassa qualquer sentido de posse partidária e deve estar livre dos estreitamentos impostos por manipulações a serviço de interesses contrários ao bem comum. A pátria somente ganha unidade quando se caminha e se labuta sob o signo da solidariedade, do respeito e do amor. Compreende-se o propósito nobre e altamente relevante da Doutrina Social da Igreja Católica, tesouro pouco conhecido, que aponta a importância de ser sinal do amor de Deus, desmascarando impostações tortas, embora midiaticamente convincentes, do cristianismo.
O genuíno cristianismo é escola completa dos valores necessários para que a pátria esteja atenta às demandas cidadãs e, assim, possa promover a paz, a justiça e a solidariedade. Impõe-se, pois, uma tarefa urgente: construir um humanismo integral, solidário, capaz de animar e impulsionar nova ordem social, econômica e política, fundada na liberdade de cada pessoa – em coerência com o desígnio do amor de Deus. Esse processo humanístico supõe o cultivo de virtudes morais e sociais para criar um novo caminho. Diante dessa necessidade, preste-se muita atenção: propostas e gestos de supostos cristãos carecem, profundamente, da largueza própria da fé. São gestos e propostas enjaulados nos interesses, manipulações, particularmente, na alimentação de projetos espúrios de poder travestidos de uma religiosidade, que estão muito distantes de Deus e dos valores que decorrem da fé.
Termômetro importante para se avaliar a autenticidade do sentimento de amor e respeito pela pátria se encontra no interesse, no entendimento e no envolvimento efetivo de tudo o que está no horizonte da ecologia. É incontestável que, na raiz dos descompassos pátrios, está o mal decorrente dos abusos irresponsáveis no uso dos bens encontrados no solo. A violência, em suas variadas formas, vem do coração humano ferido pelo pecado. Os sintomas indicam, também, as doenças encontradas na terra, na água, no ar e nos seres vivos.
O rumo novo que se espera para a pátria, na organização da nação, e a equilibrada convivência com as extensões e riquezas próprias de sua geografia, pensadas especialmente as responsabilidades do Estado, exigem uma conversão ecológica global. O Papa Francisco lembra, insistentemente, na sua Carta Encíclica sobre o Cuidado com a Casa Comum, que a destruição do meio ambiente pelo ser humano é fato muito grave, porque Deus confiou o mundo à humanidade. E a vida é um dom que deve ser protegido de todas as formas de degradação. A lucidez interpelante dessa compreensão mostra que todos são responsáveis pela promoção e defesa da ecologia integral. Ilusório é pensar que a pátria possa alcançar novo vigor, nova ordem, desconsiderando a ecologia integral.
Tudo e todos padecerão sem o horizonte rico e interpelante da ecologia integral, de sentimentos pátrios, de intuições inteligentes e assertivas e do sentido autêntico de cidadania. O compromisso com a pátria não deve ser de uma ou outra instância da sociedade. As responsabilidades são diferentes, mas todos os atores sociais contracenam e são fundamentais – a corresponsabilidade patriótica é de cada um. O horizonte é a ecologia integral. Desconsiderá-la leva a grandes dificuldades neste tempo. Deve, pois, tornar-se preocupação do Estado, de diferentes instituições, segmentos sociais, das famílias e das Igrejas, que só podem receber selo de autenticidade cristã se deixarem de lado projetos particulares de poder.
A ecologia integral relaciona-se com a convivência entre seres vivos e o meio ambiente. Promovê-la exige debates sobre as condições de vida e sobrevivência na sociedade, com a coragem de questionar modelos de desenvolvimento, produção e consumo. Ecologia integral é a que considera as dimensões ambientais, econômicas e sociais. O olhar lançado sobre a Amazônia, como faz agora o Sínodo dos Bispos, convocado pelo Papa Francisco para outubro próximo, é esforço da Igreja em promover a ecologia integral. Devem contracenar com a Igreja, nesse esforço, instâncias, instituições e segmentos sociais, a partir de um compromisso cidadão. Assim será possível ajudar a pátria a tornar-se um lugar exemplar, ensaio para a entrada na cidadania do Reino de Deus. Os descompassos, fracassos, polarizações e adoecimentos de todos os tipos podem encontrar rumos novos de superação e reversão se houver amor à pátria e respeito à ecologia integral.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)