Servir é estar a cargo de alguém, mas tem também o sentido de proteger. A raiz da palavra está em outras como ‘conservar’, ‘observar’ ou mesmo em ‘sargento’. De modo geral, serviço implica em cuidado. Quem serve, cuida.
Talvez esse seja um grande desafio quando nos damos conta de nossas próprias necessidades. Como cuidar quando precisamos ser cuidados? Como dar quando se tem falta? Nessas horas vêm à mente o paradoxo proclamado na oração atribuída a Francisco de Assis: “É dando que se recebe”. De algum modo, dar implica em receber ou, ao menos, não aprofundar a falta.
Em primeiro lugar, para servir, para doar-se a alguém, é preciso reconhecer em si qualidades e talentos, perceber-se como dom. Ninguém é tão pobre que não possa dar nada, nem que seja apenas um olhar. Colocar-se a serviço permite perceber que a própria vida não se compõe apenas de ausências, limitações e deficiências. Frequentemente nutrimos um olhar negativo sobre nós mesmos porque tomamos padrões ideais como referência e achamos que aquilo que temos não seja valoroso.
Sempre temos algo a oferecer, ainda que isso seja apenas nossa acolhida. Algumas crianças querem ajudar seus pais em serviços que não dão conta e acabam por atrapalhar. Mesmo assim, são recebidos para a ajuda. Quando um pai ou mãe acolhe o serviço dos pequenos também está oferecendo; oferta acolhida, carinho, afeto, cumplicidade, companheirismo, gratidão.
A segunda dimensão do serviço está no reconhecimento da dignidade e importância do outro. Não só percebo-me como dom ou como tendo algo de valor para alguém, mas percebo a quem sirvo como digno de receber o que posso ofertar. Reconhecer a importância e valor do outro tem o poder de me descentrar, tirar do próprio fechamento individualista, e, assim, devolver minha própria humanidade. Isso porque o ser humano é um ser de relação e se desenvolve justamente no encontro com o outro, como aponta a psicologia, pedagogia e filosofia. Sem um tu, não se pode afirmar o eu. Reconhecer o outro me devolve mais a mim mesmo, à minha humanidade.
Esse é um grande passo na dimensão do serviço, ver no outro não só um necessitado, mas um ser de dignidade e valor, que também percebo quando olho para mim. Isso irmana servido e servidor. Somos mais próximos do que imaginamos, somo irmãos, membros da mesma humanidade, com seus limites e dons. Por isso, o serviço não esvazia quem serve. Ele gera conexão entre os humanos, levando à sensação de completude. Faz bem fazer o bem.
Obviamente, um serviço obrigatório é esvaziado dessa dimensão. Empregar a própria força e talento sem encontrar o rosto do outro e sem o querer gera esvaziamento e falta de sentido. Já não é o servir a que nos referimos até agora, tornou-se escravidão ou mero trabalho (alienado). Assim acontece em muitas das funções exercidas pelas pessoas que, na necessidade de pagar contas e sobreviver, acabam assumindo trabalhos que não lhes realizam. Nessas condições o serviço é mero formalismo.
Diferente de quando se exerce algum voluntariado ou mesmo quando se consegue encontrar o rosto do outro no próprio trabalho. Assim acontece com o professor que se alegra pelo aluno que aprende; quando um jornalista escuta que seu trabalho informou e ajudou a discernir o mundo; quando um médico consegue salvar uma vida. É claro que isso não exime profissão alguma das angústias que lhe são inerentes, nem a responsabilidade dos empregadores. Aliás, se não fosse a possibilidade de encontrar sentido, algumas funções seriam insuportáveis.
Servir dá sentido à vida à medida em que gera conexão com os demais e o ser humano tem sede de comunhão, assim como desperta o que temos de melhor como dom a ser ofertado. De fato, o serviço que dá sentido parte deste lugar mais íntimos de nós de onde brota nosso bem. Dessa nossa fonte podemos dar de beber ao outro e também podemos nós mesmos dela beber.