Onde está o teu olhar? Voltado para um ecrã ou para um livro? Voltado para um ecrã ou para o outro? Voltado para um ecrã ou contemplando o horizonte de uma paisagem?
Voltamos demais o olhar para o ambiente digital. Para muitos, esse é o ponto de partida e de chegada da realidade que constroem todos os dias.
«Uma abordagem da realidade, que tende a privilegiar a imagem relativamente à escuta e à leitura, influencia o modo de aprender e o desenvolvimento do sentido crítico.» (Papa Francisco, Cristo Vive, 86)
Brené Brown, socióloga conhecida pelo seu trabalho sobre a vulnerabilidade, conta a história da sua filha quando, um dia, ao passear de gaivota por um rio, encosta-se para trás, fecha os olhos e fica, simplesmente, ali. Parada. Pergunta-lhe a mãe – «Passa-se alguma coisa?» – Ela faz um gesto para que esperasse um momento. Depois diz-lhe que está bem e a tirar uma foto de memória – «O que é isso?» – perguntou-lhe Brené – «Às vezes, quando estou grata e as coisas estão incríveis, fecho os olhos e tiro uma foto de memória, para quando me sentir sozinha ou as coisas estejam difíceis, poder-me lembrar.»
O que prende o olhar ao ecrã são as imagens, mas aquelas que mantêm a nossa interioridade sã são as que gravamos na memória. Porém, se deixarmos a nossa atenção e olhar serem consumidos pelos ecrãs, e não damos espaço e tempo para a escuta e a leitura, corremos o risco de ter uma memória vazia ou de demasiada curta duração.
Quantos olhares vazios vemos todos os dias. Quem sabe se não está aqui a razão de nos sentirmos, por vezes, vazios, e em vez de escutarmos ou lermos para aprender a estarmos conosco próprios, e desenvolver a capacidade para a solitude, voltamos o olhar para os ecrãs.
Podemos sempre recomeçar. O ano de 2020 aproxima-se. Vale a pena pensar nisso.
Miguel Oliveira Panão
Cronista