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O trem que chega é o mesmo da partida

É observando a vida com sabedoria que o poeta mineiro talhou os versos, “o trem que chega é o mesmo trem da partida, a hora do encontro é também despedida”. Basta uma estada numa estação de trem, numa rodoviária ou mesmo num aeroporto para nos darmos conta do movimento de ir e vir das pessoas, dos encontros e despedidas que lá acontecem e que marcam a vida. Um programa de televisão brasileira entrevista as pessoas que transitam pelos aeroportos do Brasil, e quantas histórias de vida são contadas sob o prisma das chegadas e partidas. Imaginem só as experiências que também nos seriam narradas caso entrevistássemos quem movimenta as rodoviárias e estações de trem de nossas cidades! Em cada bolsa de viagem, em cada bagagem são conduzidas muitas coisas além de pertences pessoais de utilidade, são carregados sonhos, expectativas e a esperança de ver o que se deseja concretizado. De certo modo, a procura pelo que virá ameniza a difícil tarefa de sair da zona de conforto e ir ao mundo desconhecido do que buscamos. O trem que apita sua partida conduz a outras realidades quem se arrisca a deixar o aconchego da casa e da família.

Mas há nesses mesmos lugares aquelas pessoas que estão à espera ou que foram embarcar seus cônjuges, pais e mães, irmãos, namorados e amigos, e que tombam os olhos em lágrimas que pedem ficar um pouco mais, gastar um pouco mais do tempo, ao mesmo tempo em que desejam a sorte de uma viagem segura e de um recomeço de vida feliz àqueles que partem. Essas lágrimas significam também a história compartilhada ao longo do tempo, as experiências vividas. Com a partida dos queridos e queridas em busca dos sonhos, muito, em nós que ficamos, precisa ser ressignificado no correr dos dias, pois é inevitável que se abram lacunas em nosso cotidiano marcado pelo compartilhamento das existências, de modo que quem parte leva consigo um pouco do que somos e nos tornamos nas relações edificadas. O choro é também sinal daquela parte nossa que se arriscou ir adiante sem que o fizéssemos por nós mesmo. A normalidade é o sentimento de querer reter conosco os que se vão. E se é assim com os que estão vivos, imaginem só com os que se vão definitivamente da vida.

Por outro lado, há uma infinidade de surpresas e preenchimentos de sentido com a chegada dos que amamos. E que alegria é o abraço que marca o reencontro que dá novo ânimo de vida, graças aos olhos que se contemplam ansiosos pela partilha das histórias vividas. Reencontrar é um acontecimento transformador. Obviamente, não somos mais os mesmos porque marcados pelas experiências que nos conduziram até ali, mas estamos dispostos a viver momentos tão significantes quanto os que foram compartilhados em tempos idos. E isso é o que dá sentido à vida e o que demonstra que não nos tornarmos indiferentes diante dos acontecimentos cotidianos.

Partir e regressar são condições que compartilhamos humanamente. O trânsito e o êxodo marcam nossa existência desde o abrir até o fechar dos olhos. Estamos sempre de passagem uns pelas vidas dos outros. Com quantas pessoas nos encontramos e nos esbarramos pelas ruas? Com quantas outras já dividimos nossos locais de trabalho? Quantas pessoas já estudaram conosco ou foram nossos vizinhos e já não estamos mais com elas? Quantos sonhos, brincadeiras, lágrimas e gargalhadas já compartilhamos com aqueles que se foram ou dos quais nos distanciamos? A vida se dá no ir e vir. O real se dispõe é na travessia, nem na chegada, nem na partida, já nos alertava Guimarães Rosa. Ainda que a tristeza se assente ao lado dos que partem e dos que ficam, humanamente consideramos não impedir o movimento que nos salva das estagnações: “não me retenhas”. Deixar ir e fluir, pois a vida nunca se repete na estação.

Tânia da Silva Mayer
Mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG.

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