O tema dos pobres está presente em toda a Bíblia. Jesus mesmo se identificou com eles, sendo um deles (cf. 2Cor 8,9). Falou de sua missão de “evangelizar os pobres” (Lc 4,18). Ensinou aos seus discípulos o serviço aos pequenos (cf. Mt 25,31-46). A história registra, ao longo dos séculos, a sensibilidade cristã com a pobreza e os inúmeros serviços que despontaram para o atendimento aos pobres. Uma multidão de religiosos e religiosas consagraram suas vidas a cuidar de órfãos, de enfermos, de viúvas, de idosos, de mulheres em situação de prostituição, de prisioneiros entre outros. Esse cuidado se perpetua nas obras sociais da Igreja católica, em número praticamente impossível de ser catalogado.
Não faltou, também, o embate das perspectivas diferentes sobre o serviço aos pobres. O risco do assistencialismo foi tantas vezes evocado. Insistiu-se na necessidade da promoção social. Quem nunca ouviu dizer “Não basta dar o peixe. É preciso ensinar a pescar”? Há, também, ações de conscientização. Para essa corrente é preciso libertar o pobre de seu conformismo e despertá-lo para a consciência de seus direitos como cidadão. Ilumina esses diferentes olhares a palavra de Dom Hélder Câmara: “Quando ajudo diretamente os pobres me chamam de santo. Quando pergunto por que estão pobres, me chamam de comunista”.
Hoje são muitas as instituições devotadas às causas dos pobres. Igrejas, associações, sindicatos, ONGs e o próprio poder público desenvolvem ações em favor dos pobres. Cresce a percepção da necessária integração dos projetos, evitando a duplicidade de ações. Diálogos, rodas de conversa, fóruns e seminários são realizados com o intuito de organizar o serviço aos que estão socialmente vulneráveis e clamam o apoio de toda a sociedade. É sempre maior a certeza de que a assistência social precisa ser criticamente pensada e organicamente elaborada.
Adela Cortina, filósofa da Universidade de Valencia, Espanha, introduziu uma nova e urgente questão para a ética no tratamento dos pobres. Essa filósofa dá nome a um comportamento mais que comum na sociedade hodierna. Ela observa que a xenofobia (medo ou rechaço ao diferente, ao estrangeiro) é seletiva. Os países não receiam receber turistas estrangeiros que alimentam a economia local. No entanto, rechaçam os imigrantes pobres e os refugiados políticos, fecham as fronteiras e até constroem cercas e muros. Não há protestos quando um time de futebol compra, por milhares de dólares, um jogador estrangeiro. Nem se recusa a entrada no país de uma banda de rock para uma viagem de apresentações. Diante da constatação de uma xenofobia seletiva, identifica-se a existência de uma verdadeira aporofobia (do grego “áporos” que quer dizer pobre). Não é todo estrangeiro que é rechaçado, mas aquele que é pobre.
Sim, o que existe é o rechaço aos pobres. Aqui e ali emergem reações dos não-pobres contra os pobres. Ditas “pessoas de bem” refutam os empobrecidos e até se organizam para se defenderem de uma eventual proximidade deles, como a chegada de um serviço de atendimento aos pobres próximo de suas residências. A democracia se enfraquece ao se rechaçar os pobres e os seus direitos como cidadãos. Urge indignar-se diante da aporofobia e trabalhar incansavelmente para a hospitalidade, caminho primeiro para a superação da fome e da miséria. Para os cristãos, está em jogo a centralidade do mandamento de Jesus: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34).
Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo Metropolitano de Montes Claros (MG)