Já escrevi aqui algumas vezes que vivemos um tempo difícil e diverso. Difícil, porque vemos partir entes queridos, conhecidos ou mesmo pessoas com quem nunca nos cruzamos. Diverso, porque confinados a casa ou, no mínimo, a poucos contatos sociais.
Este ambiente deixa-nos um pouco mais ansiosos porque desconhecemos como o futuro se vai desenrolar e quem vai sobreviver. Nos meus contatos virtuais ou mesmos pessoais, pois refugiei-me na casa paterna. pressinto esta ansiedade e até o medo.
Como sou “natural” de uma vila quase aldeia, na caminhada que procuro fazer diariamente, consigo falar com vizinhos e conhecidos mantendo a distância recomendada sem dificuldade. A dispersão das habitações com os seus jardins e quintais permitem-no dialogar a distâncias superiores a cinco ou mais metros. Graças a estas características, também vejo, as tentativas que aqueles que consideramos pertencentes aos grupos de risco (se é que não somos todos), procuram ter num dia a dia “normal”. Mas o suspiro, dos mais jovens aos mais velhos, é comum.
Numa destas caminhadas e enquanto pensava que tinha que chegar a casa para rezar o teiço com os meus pais, lembrei-me de São João Paulo II e da sua aparição à histórica varanda da Basílica de São Pedro logo após a sua eleição. Procurei as suas palavras:
«Não tenhais medo! Abri antes, ou melhor, escancarai as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas econômicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem “o que está dentro do homem”. Somente Ele o sabe!» 22 de Abril de 1978
No clima que vivemos agora, quarenta e dois anos depois, as suas palavras assumem um significado perturbador: num mundo completamente fechado dentro de suas fronteiras, nós nas nossas casas, como é que abrimos as portas?
Também já aqui vos escrevi das lâmpadas acesas nesta escuridão medonha que são todos os que trabalham noite e dia nos serviços médicos, na distribuição e venda dos bens essenciais para a nossa sobrevivência, como já vos escrevi acerca daqueles voluntários que auxiliam os mais necessitados, seja na distribuição de comida aos “isolados” ou aos sem abrigo, seja na procura de medicamentos ou simplesmente no auxilio e companhia dos mais desamparados.
Mesmo assim… E aqueles que não podem ou não conseguem fazer nada disto? Como é que podem abrir as portas a Cristo?
Ao ler uma entrevista do Padre e Professor de Filosofia, Anselmo Borges, iluminou-se o meu coração e a minha mente. Não é que não tenha já pensado, refletido e até rezado: A Igreja Doméstica!
«A Páscoa celebra a paixão e morte de Jesus e a sua ressurreição, e este é o centro da fé cristã. Neste mistério, revela-se que Deus, o Mistério último, indizível, se revelou como Amor incondicional em Jesus. Evidentemente, a ressurreição não é a reanimação do cadáver; nela, o que se afirma é que Jesus, crucificado, está vivo para sempre, ele é o Vivente em Deus, que é a Vida e a fonte da vida.»
Este Kerigma que fez com que o cristianismo chegasse até aos nossos dias, apesar de tantas infidelidades dos seus membros, pode e deve ser vivido nas nossas casas. Nestes dias em que não podemos frequentar as celebrações comunitárias da nossa fé, podemos “celebrar” nos nossos lares.
De que «servem as igrejas-edifícios sem a Igreja vivida por cada um dos cristãos e sem as “Igrejas domésticas” em cada casa e família?» Esta pergunta/afirmação de Anselmo Borges é a resposta para abrir as portas a Jesus Cristo quando não podemos auxiliar o Senhor nos doentes e nos abandonados.
Se acreditamos no poder da oração, então transformemos os nosso lares em “grupos de voluntariado oblativo”!
Paulo Victória | iMissio