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O grande erro está em confundir prazer com felicidade

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Prazer e sentido: interessante binômio! Por vezes difícil de conjugar! Escolham. Mas com cuidado, porque neste assunto, como em muitos outros, a precipitação não é boa conselheira. O que apetece mais e primeiro não é necessariamente o melhor, nem o mais conveniente, nem o que proporciona mais qualidade de vida.

É possível que este binômico tenha algo que ver com o apreço de Jesus pelo sal e pela luz, pelo sabor e pelo sentido. Que seria da vida se faltasse um ou outro, ou os dois?

Que não se veja nestas palavras iniciais um preconceito em relação ao prazer, nem muito menos uma condenação do mesmo. O pobre prazer foi demasiado ofendido em quase todas as religiões, também na cristã. Foi apresentado como inimigo de tudo: da espiritualidade, da moral, do Evangelho… Será que é, realmente, inimigo do Evangelho? Não há uma só página nos quatro Evangelhos canônicos em que se possa encontrar uma condenação do prazer. Se não o condenam os Evangelhos, por que haveria de o condenar a Igreja? Se não o condena Jesus, por que o haveriam de condenar os seus seguidores?

O prazer é muito importante na vida. Tão importante que, se desaparecesse totalmente, desapareceriam também os ímpetos de viver. Dizia-o com muita seriedade Aristóteles. E dizia-o precisamente quanto refletia sobre a ética. O grande filósofo grego pergunta-se por que é que os prazeres mais intensos estão associados à alimentação e à sexualidade. A sua resposta é esta: porque se trata das duas atividades diretamente relacionadas com a sobrevivência do indivíduo e da espécie. Se não houvesse prazer na alimentação, colocar-se-ia em perigo a sobrevivência do indivíduo. Muitas pessoas deixar-se-iam morrer de inanição. E se não houvesse prazer na relação sexual, colocar-se-ia em perigo a sobrevivência da espécie. Não haveria estímulo para a reprodução (agora a engenharia genética poderia garantir a sobrevivência sem a relação sexual, mas seria uma sobrevivência muito desumana). O prazer está na origem de muitas motivações.

Mas o prazer tem algumas características a que convém prestar atenção. Está associado aos sentidos externos, a gratificações sensíveis. Tem lugar quando se satisfaz a apetência dos sentidos: o gosto, o tato, o ouvido, a vista, o olfato. A maior parte dos prazeres são muito pontuais e passageiros. Tão depressa chegam como desaparecem. E o mais difícil do prazer é administrá-lo bem, gerir o seu tempo e a sua medida, hierarquizar… O abuso do prazer pode provocar fastio, rejeição, falta de sentido. Extremar o prazer acaba por produzir a obnubilação da mente, deterioração da saúde, mal-estar por causa do excesso… O consumo de vinho e os banquetes pantagruélicos demonstram-no com frequência. Por isso há que afirmar que o prazer é bom, é muito importante na vida, contudo há que acrescentar: mas não em demasia.

E, sobretudo, há que encontrar-lhe o sentido.

O sentido é outra coisa. Não é superficial. Vai ao fundo da vida, de todos os aspetos da vida. E é tão importante que é como o motor de todo o viver e de toda a realização. Repetiu-se muitas vezes na história do pensamento: dá-me um por quê, e sei capaz de enfrentar qualquer para quê. A sabedoria mais clássica coloca quase sempre a prioridade no lado do sentido. Tudo o que tem sentido vale a pena, inclusive quando falta o prazer.

Como o prazer, também o sentido tem as suas características. Ultrapassa a epiderme dos sentidos externos, e funda as suas raízes nos sentidos mais internos. Aponta para uma consciência desperta, para uma atenção plena, para uma lucidez que lança luz sobre o que somos e fazemos. Diferentemente do prazer, o sentido, em geral, tem um caráter permanente e eterno. Abarca espaços e âmbitos a que apenas afloram os prazeres sensoriais. O mundo do sentido está associado às experiências estéticas, às experiências éticas, às experiências religiosas. É aí que manam as fontes mais abundantes do sentido. É aí que nos encontramos com momentos supremos da vida que não queríamos que desaparecessem, que gostaríamos que durassem uma eternidade, que fossem capazes de parar o tempo e o cosmo.

Que diz esta sociedade do bem-estar sobre tudo isto? Para começar, está muito mais interessada no prazer do que no sentido. Os analistas da cultura atual insistem em que vivemos numa sociedade abundante em ofertas de prazer e escassa em ofertas de sentido. Acontece nas sociedades do bem-estar, mas também nas sociedades do mal-estar. O ideal de felicidade que se vende nestas é o mesmo ideal que rege e governa o mundo do consumo.

É uma sociedade abundante em ofertas de prazer, que sofisticou o prazer até à saciedade. Basta ver a quantidade de sabores de iogurtes ou de gelados, ou a infinidade de aromas de ambientadores, ou a variedade de músicas, ou a constante inovação dos designs para os tornar mais agradáveis à vista, ou o esforço para oferecer móveis cada vez mais confortáveis e superfícies mais suaves. Bem-vindos todos os prazeres que ajudem a elevar a qualidade de vida das pessoas. Mas não em excesso.

Seguramente que a única motivação que move a sociedade de consumo não é a qualidade de vida das pessoas, mas o incentivo econômico. Não há melhor isco para o mercado que mudar a necessidade através do desejo. Compra-se muito menos no supermercado quando o comprador vai com a sua lista de comprar. A necessidade desaparece, uma vez preenchida. Compra-se muito mais e muito mais inutilmente quando o consumidor vai simplesmente incentivado pelo desejo. O desejo nunca se sacia completamente.

Em princípio, nada há que objetar à oferta de prazer desta sociedade do bem-estar. O grande erro está em confundir o prazer com a felicidade, ou tentar convencer as pessoas de que o prazer garante a felicidade. A experiência diz que isto é um erro. São muitas as pessoas que têm todas as condições materiais para ser felizes, e a felicidade não chega. São muitas as pessoas que têm acesso aos mais sofisticados prazeres inventados por esta sociedade do bem-estar, e a felicidade não chega. Onde está a chave? Talvez não se administrem bem os prazeres, porventura não se giram bem o tempo e a medida, dando-se lugar a um fastio contraproducente. Mas a razão de fundo deve ser esta: talvez o prazer acabe por ser inimigo da felicidade quando falta o sentido da vida, dos distintos âmbitos da vida. Por isso é preocupante aquele diagnóstico da cultura atual: abundante em prazer e escassa em sentido, abundante em técnica e escassa em ética, abundante em política e escassa em mística.

Apontou bem para o problema de fundo o conhecido psicanalista Viktor Frankl, autor do interessante livro “O homem em busca de um sentido”. A tese central desta obra, e de todos os seus livros, pode resumir-se assim: «O problema fundamental das pessoas não é a falta de prazer, mas a falta de sentido. Sem prazer pode viver-se; sem sentido só resta como saída o suicídio». E acrescenta uma observação mais aguda: «À medida que a vida das pessoas está falha de sentido, mais as pessoas correm em todas as direções para preencher os vazios de sentido à base do prazer». É a corrida louca do prazer. No livro há uma frase digna do Evangelho cristão. O autor foi um sobrevivente dos campos de concentração. A frase é a seguinte: «Dos que pudemos sobreviver, só sobrevivemos aqueles que encontramos sentido para o sofrimento».

Felicísimo Martínez, op
In Religión Digital
Trad.: Rui Jorge Martins

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