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Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu

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O Amor aparece-nos como uma espécie de trança, intimamente entrelaçado como está na dinâmica da vida mas também da morte. Sem Amor não há vida e sem vida não há futuro, tal como também há Amor para além da morte. Mais do que ser o “sal da vida” que é, o Amor atua, simultaneamente, como a força propulsora e, digamo-lo em termos atuais, como o “motor” de busca que nos permite chegar até ao lugar do Outro.

O amor da mãe pelo seu bebé é veiculado pelo seu olhar, pela sua voz, pelo seu leite, pelo seu colo. Um caminho intuitivo, instintivo, a percorrer, dir-se-ia, sem percalços. E porém, quantas mães não sabem, não conseguem, ou disso são impedidas, de alcançarem e de permanecerem, sejam qual forem as circunstâncias, afetivamente, amorosamente, ligadas aos filhos porque o seu “motor de busca” está impossibilitado de funcionar convenientemente. O mesmo se pode dizer dos pais que, por vezes, sentem enormes dificuldades na relação afetiva com a prole, dificuldades essas nem sempre reconhecidas e admitidas como tais, tanto da parte do pai como da mãe. Isto, a relação progenitor/a/filhos, como paradigma, que o Amor é, velho como a humanidade e a sua ação, ao longo dos tempos, tem feito erigir monumentos, cantar os poetas e transformar gente comum em heróis ou santos, mas também provocar, pela sua carência, verdadeiras catástrofes pessoais e geracionais. Filhos não amados, crianças a quem faltou a experiência fundadora do amor primário, filhos maltratados, eventualmente sexualmente abusados, irão, identificados com o abusador, repetir sobre os filhos a violência sofrida. São estas dinâmicas de identificação ao agressor que transformam as antigas vítimas em novos carrascos, que podem ajudar a perceber os comportamentos nefastos e repetitivos que se verificam, porventura ao longo de várias gerações, numa mesma família. O que tragicamente as exclui dos caminhos do amor. Vitimas e carrascos que já foram vítimas podem eventualmente ser ajudadas a colmatar a falha, o vazio, a sair do impasse. Mas falar disso aqui seria entrar pelas veredas da clínica.

Exemplo do Amor extremo, Cristo, que ressuscitou conforme Amou, é a pista, o sinal, para iniciar a busca de cada um e em cada um de nós. Sabemos, por experiência própria, como não é simples nem fácil chegar a Ele, quanto mais manter, ao longo da vida, a sintonia com Aquele que abriu o caminho do Amor e o mantém, sempre aberto, a quem queira aventurar-se nele para o viver à sua maneira e medida, isto é, conforme for capaz. Porque há tantos caminhos do Amor e para o Amor como existem corações, que são, por natureza, complexos labirintos onde facilmente nos perdemos ou enclausuramos.

Vivemos em “tempos da cólera” incertos, traiçoeiros, perigosos, impiedosos, o que torna a escolha ainda mais delicada e, simultaneamente, imperiosa. Afrontar a peste e partilhar com os outros os riscos da fatal doença ou refugiar-se algures, no campo, com um grupo de amigos que se contam histórias para enganar o tédio, como fazem as personagens do Decameron? Salvar a vida ou dar a vida? Posta assim, a escolha assusta, paralisa. Qual será o caminho possível, para mim, para cada um de nós? A demanda desse caminho acaba por se tornar num caminho, pelo menos num esboço de caminho. É já qualquer coisa e dá o alento necessário para perseverar.

Pertenço a uma geração cuja infância ainda se pôde extasiar, no campo ou nos jardins citadinos, com a fascinante e misteriosa luz dos pirilampos ou vaga-lumes, como lhes chamavam os adultos. Os pirilampos, esses minúsculos coleópteros, estão em vias de extinção devido à poluição generalizada dos campos nos países ditos desenvolvidos. Entre nós ainda os há, e aos milhares, nem que seja no Parque Biológico da Gaia, que organiza visitas guiadas propositadamente para os meninos das escolas que, doutro modo, não teriam possibilidade de os ver. Mas também continuam a brilhar para quem os sabe e quer procurar, em locais improváveis e nas noites mais escuras da vida. Pasolini, que nutria um autêntico fascínio por pirilampos, escolheu-os, nos anos setenta, para exemplo e como símbolo das vítimas do atuar nefasto do homem neocapitalista. Quarenta anos volvidos, menos radical e pessimista, Georges Didi-Huberman vê nos pirilampos um símbolo da persistência e da capacidade de sobrevivência da nossa espécie, que é capaz, tal como eles, de emitir pequenas centelhas luminosas, vitais, heroicas ou revolucionárias, nos contextos mais terríveis e adversos, a dizer que nem tudo está perdido, que onde há vida há esperança. Parece-me portanto nosso dever e responsabilidade preservá-los, para que continuem a iluminar o nosso caminho de busca, quer sejam os pirilampos reais quer sejam os metafóricos, sobretudo esses, que são aqueles que estão ao alcance direto da nossa disponibilidade e vontade.

O percurso de vida de cada um de nós é feito de pequenos passos e gestos, de desencontros, retrocessos, solavancos e quedas, mas também de algumas pequeníssimas, como as dos pirilampos, centelhas de luz. E essa luz é, não pode ser senão a do Amor. Hoje, e no futuro? Cabe-nos, no aqui e agora do nosso quotidiano, a tarefa de não deixar apagar a luz da Fé, da Esperança e da Caridade, a maior das três, como diz S. Paulo, para que possam continuar a balizar o caminho do Amor, no presente que nos é dado viver e no futuro que só Deus conhece.

 

Maria do Carmo Sennfelt
Psicanalista

SNPC

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