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MORALIZAÇÃO: A URGÊNCIA

O desafio de reverter o grave quadro de crises que afetam a sociedade brasileira requer o indispensável e urgente investimento na assimilação da norma moral, prioridade para confeccionar um tecido cultural capaz de sustentar processos que promovam o respeito, a verdade e o bem de todos. Situações absurdas confirmam que a vida pautada pela moral é ainda uma meta distante, o que exige mudanças. Um exemplo é a conduta, não rara, de indivíduos que participam de protestos contra a corrupção em grande escala ou em instâncias superiores do poder e, ao mesmo tempo, usam a energia elétrica ou a água a partir de mecanismos irregulares. Não se incomodam em assumir práticas lesivas ao bem comum e à dignidade dos outros. Essas e tantas outras situações revelam que não são suficientes apenas intervenções corretivas – por meio de reformas legais, administrativas e sistêmicas – para construir um futuro promissor, pois a falta de moralidade corrói o comportamento individual. O desafio é justamente investir para que a norma moral torne-se, para cada pessoa, força de sustentação dos propósitos e das práticas. Disso podem resultar processos renovadores, nos mais diferentes âmbitos, orientados pelo respeito inegociável ao bem comum.

 

Todos precisam assumir o mesmo compromisso: tornar-se referência da moralidade. Assim se corrige um ponto muito frágil no contexto cultural da sociedade brasileira. Há uma comprometedora perda do sentido de respeito, de limite, de consideração do direito das outras pessoas. Percebe-se, ainda, crescente desleixo pelo cumprimento dos próprios deveres. As consequências são notórias: comprometimentos substituídos pelas irresponsabilidades, descasos e indiferenças. É preciso reconhecer que a vivência da cidadania só pode ganhar novos horizontes quando são assimiladas normas morais. De outra forma, serão crescentes as perdas que impactam a sociedade, enjaulando-a nos atrasos de toda ordem, que são produzidos, exatamente, pela imoralidade presente nos atos e nas escolhas.

 

A norma moral não pode ser considerada simplesmente como rigidez a ser sempre contestada, em nome da procura por liberdade. Essa busca não pode precipitar cada indivíduo na vala da anomia – acreditar que tem o direito de não respeitar normas, configurando uma permissividade que acirra as crises e as injustiças. Assumir a necessidade de uma norma moral é imprescindível e, para isso, oportunidade de ouro é reconhecer a importância dos valores cristãos, que convocam as pessoas a fazerem o bem e a evitarem o mal. Nesse sentido, ensina a Constituição Pastoral Gaudium et Spes – sobre a Igreja no mundo atual, fruto  do Concílio Vaticano II: “No mais profundo de sua consciência, o homem descobre a existência de uma lei que ele não dita para si mesmo, mas uma lei a que deve obedecer e cuja voz ecoa, quando necessário, nos ouvidos do coração, advertindo-o de que deve amar e praticar o bem e de que deve evitar o mal”.

 

Deus é quem inscreve essa instância moral que atravessa a consciência humana. Por isso, indiscutível é priorizar a espiritualidade como experiência cotidiana na formação da consciência. Um investimento que convence a respeito da centralidade da prática do bem. A experiência espiritual é um remédio indispensável no enfrentamento da delinquência, nas suas mais diferentes configurações, que entorta os rumos da sociedade e oficializa dinâmicas perversas, por fazer ruir o verdadeiro sentido da vida. Uma sociedade delinquente deixa assorear, progressivamente, as suas fontes culturais e não consegue trilhar um caminho que leve a avanços, pois não há garantia da qualificada participação cidadã e da proteção à vida. Por isso, os cenários de uma sociedade imoral ou desmoralizada são de grande confusão e de incompetência. O caos se expande justamente porque, mesmo reconhecendo que há muitas situações a serem corrigidas, não se sabe por onde começar, como aplicar a justiça e de que modo é possível abrir os caminhos para os reparos necessários. Diante de tanta confusão, prevalece o pessimismo, que se manifesta em uma crença muito comum: ninguém presta, nada presta e não há saídas para as crises que se multiplicam.

 

Os segmentos diversos da sociedade, para além de discursos, precisam articular posicionamentos alicerçados na moralidade. Esse movimento na direção do que é norteado pela moral tem força para garantir seriedade e justiça nos diferentes processos, o compromisso com a verdade e o bem de todos. A grande mudança necessária em todo o contexto social exige uma reformulação interior de cada pessoa. Esse exercício requer enfrentar a avalanche de conexões deficitárias, que desconsideram a importância dos valores e princípios – norteadores do gosto pelo que é honesto e transparente. Um inadiável desafio para a sociedade brasileira é, pois, investir na moralização, mas sem o moralismo – mecanismo que apenas cria uma imagem pública ilusória, diferente do que efetivamente se faz, fala e realiza.

 

O desafio é grande porque exige mais ética, tanto das autoridades políticas quanto dos demais cidadãos, nas suas diferentes tarefas cotidianas. Demanda comportamento ético na esfera pública e no âmbito da privacidade. Os sistemas educativos e governamentais, as práticas religiosas, todas as instâncias capazes de interferir na modelagem, promoção e assimilação de valores precisam de atenção e reconhecimento, para que se alcance a meta comum de configurar novo tecido cultural. Efetiva-se, assim, um processo, a partir da sinergia de diferentes instâncias, capaz de garantir a moralização necessária à sociedade brasileira, conduzindo-a rumo a novos caminhos.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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