Dá-me um copo de cólera e enche meu peito de fúria, que ainda não estou suficientemente indignado. Dá-me um gole de raiva que bata seco no estômago e me faça transpirar ansioso ou me faça chorar. É que a embriaguez do asco não me é suficiente. Ainda estou inibido.
Travado no canto, não reajo. Acostumei-me aos tapas e deboches. Submisso, subserviente, subjugado. Mesmo grande, fui tornado pequeno. E o poder que tenho me foi sendo sugado aos poucos. Quem cresce enredado acostuma-se à limitação dos movimentos e não sabe o que é liberdade. Sofrendo, sempre ri e sorri – de alegria e nervoso.
Hoje vivo dividido e minha alegria é furtiva. Por tamanha opressão, encontro-me confuso, dividido, desesperançado. Em mim há gritos da barbárie que vez e outra emerge (ou na qual me submerjo). Tenho medo.
Minha cura está numa taça de indignação. Só ela pode me fazer levantar e reunir forças para a grande libertação. Embriagado, posso tomar a faca e cortar minha própria carne para extirpar o mal que nela cresceu; típica anestesia de cirurgias rudimentares. Nada drástico para quem é rude. Nunca fui civilizado, só domesticado. Quem me vê em margens plácidas imagina que vim de berço esplêndido, mas sou feroz.
A paz não é ausência de conflitos. Sem uma boa dose de revolta não há mobilização para se restaurar da degradação sofrida. É preciso estar indignado para se mover e sair do lugar. Quem tudo releva acaba vítima e suscetível a toda sorte de injustiça. Apesar disso, é preciso que se saiba que a raiva sem causa é apenas destruição; com um porquê, torna-se motivo do agir. Contudo, o objetivo ainda deve fulgurar para que tal embriaguez não se torne um estado permanente como a fúria do surto de um louco. O bem, a paz e a justiça são o fim.
Si vis pacem, para bellum.