Na realização da Assembleia anual do Conselho Episcopal de Pastoral e Encontro Regional dos Coordenadores (Arqui)Diocesanos de Pastoral, que aconteceu entre os dias 04 a 07 de Junho em Caeté (Recanto Monsenhor Domingos – Instituto São Luís), foi abordado como tema central: Igreja em saída em tempos de eleições.
O respectivo tema foi desenvolvido na manhã do primeiro dia de trabalho por dom Vicente de Paula Ferreira – bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte. A abordagem contemplou os sinais característicos desse tempo em que vivemos, chamado por muitos de pós-modernidade. A análise conjectural contemplou aspectos no âmbito da Filosofia cultural, recortes da Teologia e, enfim, algumas orientações do papa Francisco. Duas imagens extraídas de citações bíblicas Jz 9,15 e Mc 9,33-37 serviram como base para a reflexão. A primeira se refere à busca de um Rei na monarquia escolhido pelas pessoas. Trata-se da metáfora do espinheiro. A segunda passagem bíblica se situa no contexto do discipulado, em que os discípulos, ao conversarem no caminho, discutiam entre eles quem era o maior. Neste horizonte, Jesus lhes diz que o maior é aquele que serve. O Reino de Deus é projeto de vida e, comprometidos com ele, somos chamados a servir.
Na busca de elucidar e clarear o contexto em que vivemos de pós-modernidade a partir dos elementos filosóficos culturais, fala-se de um declínio da Modernidade e este se manifesta através de algumas características como a passagem de uma razão forte para uma razão fraca. Não estamos mais unidos por uma verdade que nos rege. Predomina-se a emancipação de um pluralismo hermenêutico. Plurais não apenas no pensamento, mas também nas configurações corporais – metamorfose corpórea, enfim, tudo isso define o cenário predominante pós-moderno. Vivemos uma cultura dos fragmentos gerada pelo cenário pós-moderno em meio às pluralidades.
Os MCS (Meios de comunicação social) mostram a diversidade de realidades que, por sua vez, intervém e conecta com tudo. Se hoje reconhecemos o grande bem que a tecnologia, através das redes sociais, favorece, por outro lado, existe também o grande risco do predomínio da deterioração das pessoas. Ao mesmo tempo em que a globalização tem seus aspectos positivos no horizonte do bem, existe também o risco, e já é real, de grupos radicais fazerem o mal. Sofremos o grande mal: o uso do grande mercado através das Mídias que vendem seus produtos e exercem o domínio sobre a humanidade, sobretudo gerando a exclusão de inúmeras pessoas. A insaciável fome de poder e exploração do povo é um dos resultados também da globalização. Neste aspecto, podemos antecipar o juízo final que, segundo Mateus, seria no paraíso. O paraíso já foi antecipado, está sendo aqui quando os pobres não simplesmente vão, mas já estão julgando nossa sociedade. Não há mais chances de fazer barreira aos pobres. Neste aspecto, percebemos que existe uma estrutura enorme, gigantesca em que somos feitos de marionetes de um sistema maior. Até mesmo os políticos, sem querer santificá-los, serão joguetes nas mãos de um sistema, de uma engrenagem maior que eles mesmos e à qual servem, se curvam e reproduzem?
Faz-se necessário, no contexto que estamos presenciando e assistindo em nossos dias, perguntar: de que lado nós, enquanto cristãos e cidadãos, nos encontramos? Como podemos nos posicionar, enquanto Igreja nesse cenário que aí está? Ao nos depararmos em tempos caóticos de extrema vulnerabilidade e, na sua grande maioria, dos mais frágeis, precisamos reassumir esses mesmos lugares, os de vulnerabilidade, como lugares teológicos a partir da Encarnação. Faz-se urgente rever as imagens de Deus que alimentamos e iluminam nossas práticas. O caos é também tempo de kairós, tempo propício para discernir e/ou forjar novas possibilidades de fazer caminhos, é um lugar e tempo de esperança. O Espírito age através dos simples, frágeis, pequenos.
O Papa Francisco, a partir da Exortação Apostólica Evangelli Gaudium, nos ajuda a compreender que, para a Igreja, os pobres são mais que somente sociológica, ela é teológica, ou seja, Deus se encarna em meio aos pobres (EG 48). A opção pelos pobres não é opcional, mas decisiva. Deve-se dar pela proximidade física através do contato com aqueles que sofrem e nessa perspectiva, a pior atitude que poderíamos ter é justamente a falta do cuidado espiritual. Os pobres nos evangelizam (Puebla 147).
A sociedade do descarte, segundo Bauman, é caracterizada pela categoria da beleza. Ao valorizá-la, é preciso perguntar por qual padrão as pessoas querem atender e ao responder acabam sendo excessivamente exploradas pensando que são sujeitos, quando na verdade são objetos que atendem à lógica do mercado, da empresa, do poder. A sociedade está orientada para uma lógica que é econômica financeira que domina não só a mente, mas os nossos corpos. Agamben, teólogo europeu, nos ajuda a entender o que significa ser contemporâneo: aquele que está atento à realidade e sabe perceber não as luzes, mas o que está escuro, que consegue entrever a parte das sombras. É aquele que consegue entrever nas luzes dos tempos, a parte das sombras, a sua íntima obscuridade. Esta categoria seria importante, como evangelizadores, cultivarmos: encontrar a luz dos pontos cegos da sociedade de hoje.
Porque o momento que vivemos é caótico? Porque buscamos, desejamos algo melhor, uma luz. O ruim e inadmissível será a indiferença, a massificação. Só acharemos caminho quando formos capazes de olhar o caos, a escuridão, as trevas. Hoje vivemos uma sombra terrível no que se refere ao chamado fenômeno dos extremismos. Essa é uma sombra e será a pior das trevas. A diversidade ajuda a escavar na alma e no coração que não existe só o preto, o branco, o cinza e depois as diversas tonalidades de cinza, afirma o Papa Francisco.
Igreja em saída é a Igreja dos pobres, dos frágeis, não tem um grande outro. Esse outro se fez humano. Por saída entende-se: não ter medo e acreditar que o Espírito Santo nos guia, que estando a caminho não precisamos colocar barreiras entre as pessoas, classes, realidades de gêneros, que é possível encontrar saídas nessa Igreja em saída.
Outro aspecto a destacar, diz respeito ao mundo da invisibilidade, o que desencadeia o excesso das redes sociais. Precisamos todos lutar juntos para mudar o mundo a partir de nós mesmos. O pensamento único, massificado e manipulado não é genuíno, mas imposto. Aos cristãos peço o testemunho de um espirito de comunhão, fraternidade.
Considerando o contexto pós-moderno no âmbito de uma Igreja em saída, podemos constatar: na esfera da Política, é preciso superar a esquizofrenia entre fé e vida. O silêncio denuncia um perigo, visto que nossa evangelização conviveu com o distanciamento entre muita religião e pouco posicionamento político cristão. Ao se encarnar no humano, Deus desfez a ruptura entre ele e o homem, o profano e o sagrado. A santidade é viver o cotidiano através das pequenas coisas como sendo todas muito importantes.
Portanto, o que se quer e pensa a respeito de uma Igreja em saída em tempos de eleições, diz diretamente à decisão de comprometimento com as pessoas mais descartadas. O cristão leigo deve estar aberto para participar dos momentos formativos não apenas para dentro da Igreja, mas adequadamente formados, para partirem para a missão de formar novos discípulos para atuarem como agentes transformadores da sociedade.
Pe. Joel Maria dos Santos
Vigário Episcopal para Ação Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte