Jesus segue o caminho para Jerusalém; enquanto isso, vai revelando aos seus discípulos as consequências de sua entrega em favor dos últimos e excluídos. Pois, todo aquele que investe sua vida a serviço da vida, sempre encontrará oposições, perseguições e morte.
Marcos, ao anunciar três vezes a paixão de Jesus, está revelando o preço da fidelidade ao Reino de Vida. Ao descrever, depois de cada anúncio, a resistência e a incompreensão dos discípulos, está nos advertindo sobre a dificuldade do verdadeiro seguimento. Depois do primeiro anúncio, Pedro quer desviar Jesus do caminho de fidelidade que o levará à Cruz e morte; depois do segundo, os discípulos continuam discutindo quem era o maior entre eles. Hoje, no terceiro anúncio da paixão, os dois irmãos, Tiago e João, pretendem sentar-se, um à direita e outro à esquerda de Jesus, no seu Reino Não há maior contraste entre a atitude do Mestre e a de seus seguidores; estão em diferentes amplitudes de onda.
Os outros dez se indignaram. Esta reação é apenas um sinal de que todos estavam na mesma dinâmica. Os outros discípulos tinham as mesmas ambições dos dois irmãos, mas eram covardes e não tinham a coragem de manifestá-las. Também no protesto pelo que o outro faz podemos manifestar o desejo de fazer o mesmo. Como a imensa maioria dos cristãos, continuamos tentando manipular Deus em nosso proveito.
Seguindo a linha do profetismo crítico, Jesus desmascara a trama oculta da busca do poder: “Sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam”. Dessa forma alude a uma conduta que, a seu juízo, é clara entre os poderosos deste mundo.
Embora manifestem o desejo de caminhar com Jesus, Tiago e João deixam transparecer que carregam no coração o impulso para dominar e impor-se sobre os outros. Esta busca de poder destrói a paz e as relações entre os membros de uma comunidade que se diz seguidora daquele que não buscou o poder, mas o serviço.
Jesus apostou na vida de todos os seres humanos e não se deixou subornar por nenhum poder destruidor de vidas. Ele convidou ao serviço e à solidariedade como novidade radical. Sua fidelidade ao Reino se tornou transparente e iluminadora no seu ministério em favor da vida. O Deus que Ele nos revelou é o Deus que se faz presente no pequeno, no simples, naqueles que não tem voz e nem vez neste mundo. Não é o Deus do poder absoluto, nem o Deus que exige obediência e submissão àqueles que se apresentam como representantes do divino. O Deus de Jesus é o Deus que responde e corresponde aos anseios de respeito, dignidade e felicidade, que todos trazem inscritos no sangue de suas vidas e nos sentimentos mais autênticos e nobres.
O Deus Misericordioso não impulsiona ninguém a desejar poderes, por mais nobres que pareçam ser. Ele é o Deus que só legitima a identificação e até a fusão com o destino das vítimas deste mundo. Por isso, os discípulos de Jesus (e toda a Igreja) devem renunciar toda expressão de poder, os métodos de força, imposição e domínio que os poderosos deste mundo exercem sobre as pessoas. Não há, para Jesus, um poder mau (próprio dos tiranos) e outro bom (que seria próprio de seus discípulos). Todo poder é, no fundo, destruidor, toda imposição é má. Por isso, Jesus não quer melhorar o poder (convertê-lo), mas superá-lo na raiz, isto é, não deixar que ele se manifeste.
Jesus não veio fundar hierarquias entendidas em chave de honra, poder e prioridade social ou espiritual. Ele iniciou, sim, um movimento humanizador, onde o poder não tem lugar. A partir daqui, é que se entende seu apelo ao seguimento, que implica uma inversão a respeito da ordem antiga: o poder (desejo de domínio) deve tornar-se gratuidade, gesto de amor desinteressado pelos outros, serviço comprometido…
Os discípulos tiveram dificuldades em compreender que o Seguimento passa pela implicação pessoal na solidariedade com as minorias e excluídos, pela denúncia do poder dominador e manipulador, gerador de morte. Eles queriam um líder triunfador que dividisse o poder com eles; por isso, lhes custou crer que a marca do Mestre de Nazaré é a vida que se doa para que o outro viva.
Ao colocar-se nessa atitude de serviço em relação ao mundo, a comunidade dos(as) seguidores(as) espelha-se em seu Senhor, que não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida por todos. Estar a serviço é uma atitude gratuita que brota do amor, que faz a pessoa “sair” de si mesma e ir ao encontro do outro; coloca seu centro de atenção não em si, mas no outro e na coletividade, visando o bem de todos.
A atitude do serviço é o oposto do egoísmo autoreferencial, que leva o indivíduo a viver somente para si,
tendo em vista os próprios interesses. O caminho do Seguimento de Jesus desconstrói essa lógica rasteira do egoísmo interesseiro e descortina perspectivas novas que, pela doação de si no serviço generoso, abrem os horizontes da pessoa para o verdadeiro sentido da vida e da realização humana.
Amar servindo e servir amando: este é o sentido de nossa missão cristã. Tal amor e espírito de serviço concretizaram-se na generosa doação de tantos cristãos que, ao longo dos séculos, ofereceram e continuam oferecendo a vida a serviço dos outros em hospitais, creches, orfanatos, asilos, escolas, universidades, e numa infinidade de projetos e pastorais que atendem, sobretudo aos mais necessitados. Assim, a Igreja presta serviço formando gerações, influenciando culturas, salvando vidas, infundindo e consolidando valores em meio a sociedade onde se situa.
Jesus, com seu modo original de ser e viver, nos coloca diante da tentação que sempre nos ameaça: o gosto do poder, da comodidade, das pompas, do querer ser como os “chefes das nações”, de ter privilégios, de ser servido. Sua proposta de vida é de uma sabedoria e de uma humanidade finíssima; seu horizonte é o serviço.
Todos temos algo ou muito dos “filhos de Zebedeu” em nosso interior. Quanta afetividade mal resolvida procura se satisfazer com doses de poder! Essas doses na veia existencial é a morfina para acalmar problemas mais profundos. Os sedativos não curam nada, mas nos deixam anestesiados.
Quanto mais desintegrada a afetividade, mais despóticos e tirânicos nos tornamos. Os fanatismos, as intolerâncias, a violência e o ódio, o afâ de se impor sobre os outros…, tem sua incubadora em uma afetividade não ou mal resolvida. Mesmo quando, na prática, não temos chances de exercer o poder, nos projetamos e nos identificamos com alguém que visibiliza as mazelas de nossa interioridade não integrada.
Portanto, mudar poder por serviço é a chave. A partir do serviço, a hipocrisia e a corrupção do poder se estatelam contra o solo; o serviço nos situa todos no mesmo nível, o horizontal: ninguém é mais que ninguém. Aclarando que serviço não é servilismo, que é do que se vale qualquer poder.
Jesus propõe o serviço como uma verdadeira revolução e é Ele quem dá o primeiro passo, rompendo esquemas, indicando que o caminho não é o poder que se impõe, mas a “descida” solidária.
Todos somos chamados à revolução do serviço, crentes e não crente, de todas as religiões e culturas. Coloquemos a serviço da vida os dons particulares, as habilidades, a profissão, os estudos, a sabedoria herdada de nossos antepassados, a capacidade de denúncia diante dos abusos, a luta contra a corrupção e a hipocrisia, a violência e o ódio.
Como cristãos, somos chamados a um “serviço amoroso”, gerador de vida e vida em plenitude.
Texto bíblico: Mc 10,35-45
Na oração: na intimidade com o Senhor, perguntar-me:
– minha presença no mundo e na Igreja é carregada de esperança? É inspiradora e servidora? Está a serviço da vida ou da morte?
– em quê posso crescer no serviço eficaz? Onde devo atu-ar? Como sair do “serviço repetitivo” e sem criatividade?
– no serviço, sou o “centro” ou o centro é o outro?
Pe. Adroaldo Palaoro sj