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HUMILDADE: deslocar-se para o lugar do último

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Jesus sempre se revelou muito livre, transitando por mesas de diferentes pessoas. É muito inspirador ter em conta o contexto do evangelho deste domingo. Ele nos revela, mais uma vez, Jesus participando de uma refeição, convidado por “um dos chefes dos fariseus” da região. É uma refeição especial de sábado, preparada desde a véspera com todo esmero. Como é costume, os convidados são amigos do anfitrião, fariseus de grande prestígio, doutores da lei, modelos de vivência religiosa para todo o povo.

Jesus já era uma pessoa muito conhecida e muito discutida. Seguramente a intenção deste convite era comprometê-lo diante dos demais convidados. Mas temos a impressão que Jesus não se sente cômodo neste ambiente; sente falta de seus amigos, os pobres, aqueles que encontra mendigando pelos caminhos, aqueles que nunca são convidados por ninguém, aqueles que não contam: excluídos da convivência, esquecidos pela religião, desprezados por quase todos.

Sabemos que Jesus sempre se fez presente no lugar onde se encontravam aqueles que não tinham “lugar”, os “deslocados”, os socialmente rejeitados e que eram a razão de seu amor e do seu cuidado; fez-se solidário com os “sem lugares” e abriu para eles um “novo lugar” no Reino do Pai. Na Galileia, Jesus teve suas preferências e escolheu o seu “lugar”, o lugar entre os mais pobres, vítimas daqueles que se faziam donos dos lugares. Os evangelhos destacam que Jesus, na sua vida e missão, sempre deu grande importância às refeições em comum, mesas de partilha, mesas festivas… É neste ambiente de comunhão que o Reino se visibiliza e antecipa o sentido da refeição plena, preparada pelo Pai.

É a partir desse ato sagrado que podemos olhar o outro mais de perto, escutá-lo mais de perto, senti-lo mais de perto… pois “a comida, o alimento de nossas refeições, não é somente o que aparenta, mas, remete a algo que está atrás de si, para além de si. Portanto, o gesto de sentar-se à mesa para comer revela um tipo de relação social de um determinado grupo humano” (Manuel Diaz Mateos).

O Reino de Deus, ao se fazer presente, desperta em nós a mística da mesa que alimenta uma vida que se faz doação, como o pão que é partilhado: a amizade, a convivência, a acolhida… Sentar-se à mesa com o outro é descobrir-se vivo, corpo pulsante, latente, carente. Mas é também descobrir um outro tipo de alimento, que só pode ser colhido na delicadeza da inter-relação, da inter-comum-união com o outro. E a vida floresce em plenitude quando está impregnada de amor e gratuidade, sem competição de “egos” e nem desejos de protagonismo.

No texto do evangelho deste domingo, encontramos duas pequenas parábolas. Uma se refere aos convidados; outra diz respeito ao anfitrião. Em ambos os casos, Jesus nos propõe uma maneira diferente de compreender as relações humanas. Ele quer deslocar comportamentos que consideramos normais, para entrar em uma nova dinâmica, que nos leva a mudar a escala de valores do mundo.

Na primeira imagem, não se trata de um simples ato de educação para receber elogios. Jesus parte de um modo de proceder generalizado (buscar os primeiros lugares) como ocasião para apresentar uma visão diferente e mais profunda da humildade. Colocar-se no último lugar não deve ser uma estratégia para conseguir maior admiração e honra. A frase “quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado”, pode levar-nos a uma falsa interpretação. Jesus aconselha não buscar as honras e o prestígio diante dos outros, como meio para fazer-se valer. Condena toda vanglória e vaidade como contrárias à sua mensagem.

O convite a “sentar no último lugar” revela um enfoque nem sempre percebido em seu sentido profundo. Ele revela aos participantes da refeição um “novo ângulo” ou um novo modo de ver as coisas: não a partir do lugar dos comensais, mas a partir da perspectiva de quem não está sentado à mesa.

O gesto de Jesus convida a fazer um deslocamento, ou seja, ocupar o lugar da pessoa que não participa da mesa. Quê novidade se percebe a partir deste lugar? Portanto, olhar a refeição a partir do ângulo de quem está no último lugar muda totalmente as perspectivas. Jesus revela, então, um “novo ângulo” ou um novo modo de “olhar as pessoas”: não a partir do lugar do poder, mas a partir da perspectiva dos fracos e indefesos.

Não é comum prestar atenção ao lugar ocupado pelo outro, sobretudo o outro que pensa e sente diferente; é normal perceber, delimitar, defender e fechar-se no próprio lugar. Isso se faz de maneira tão zelosa que nem se vê aquilo que está para além do próprio lugar. São grandes os riscos de se viver em horizontes tão estreitos. Tal estreiteza aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com as mudanças que se fazem urgentes. O próprio lugar se torna uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz. Para isso é preciso uma “mudança de lugar”, um deslocamento para baixo, em direção aos pequenos. Quem “desce” encontra-se com Jesus. Quem acolhe um “pequeno” está acolhendo o “maior”, o próprio Jesus.

A segunda parábola apresenta um matiz diferente. Antes de despedir-se, Jesus se dirige àquele que o tinha convidado. Não é para agradecer-lhe o banquete, mas para sacudir sua consciência e convidá-lo a viver um estilo de vida menos convencional e mais humano. “Não convides os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem os teus vizinhos ricos. Convida os pobres, aleijados, coxos, cegos…”. Mais uma vez Jesus se esforça por humanizar a vida, rompendo esquemas e critérios de atuação que nos podem parecer muitos respeitáveis, mas que, no fundo, estão indicando nossa resistência a construir esse mundo mais humano e fraterno, querido por Deus.

Normalmente vivemos instalados em um círculo de relações familiares, sociais, políticas ou religiosas com as quais nos ajudamos mutuamente a cuidar de nossos interesses, deixando fora aqueles que nada podem trazer. Convidamos para ter acesso à nossa vida àqueles que, por sua vez, podem nos convidar.

Jesus não quer dizer que fazemos mal quando convidamos os familiares e amigos para uma refeição. Ele quer dizer que estes convites não vão mais além do egoísmo amplificado àqueles que são do nosso círculo. Essa atitude para com os amigos não é sinal do amor evangélico. O amor que Jesus nos pede precisa ir mais além do sentido comum, dos sentimentos ou do interesse pessoal. A demonstração de que entramos na dinâmica do Reino está em que buscamos o bem dos outros sem esperar nada em troca.

A gratuidade é a marca do Reino.

Texto bíblico: Lc 14,1.7-14

Na oração: Precisamos sair de nossos pequenos círculos para criar vínculos com tantos grupos e organizações sociais, movimentos que buscam outra cultura, a cultura da solidariedade, da interconexão responsável, do encontro comprometido.

“Considerar” aqueles que não tem “lugar” em nossas comunidades; colocar-se em seu lugar e sentir o que eles sentem.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

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