O relato evangélico deste domingo é desconcertante: o Deus, escondido na fragilidade humana, não é encontrado pelos que vivem instalados no poder ou fechados na segurança religiosa. Ele se deixa revelar àqueles que, guiados por pequenas luzes, buscam incansavelmente uma esperança para o ser humano, na ternura e na pobreza da vida.
Para além da intencionalidade do evangelista Mateus, o texto contém um profundo simbolismo, carregado de sabedoria. Tudo começa com uma “estrela”. É a luz interior (intuição, insight) que desencadeia o processo de busca e nos põe a caminho. Pode aparecer de maneira inesperada, em qualquer momento e, com frequência, costuma surgir numa situação de crise que, ao remover nossos hábitos, faz com que nos abramos a uma dimensão mais profunda.
Estar a caminho de Belém é fazer a travessia em direção a nós mesmos. Ao buscar uma Criança na Gruta, buscamos nossa verdade mais profunda e original, a verdade interna da alegria e do amor, do sentida da vida, em meio a um mundo no qual a maioria só parece buscar coisas externas, afastando-se de si mesmos. A luz que aqui importa é a tua, a nossa, a minha, ou seja, a de Deus que ilumina o caminho da vida, que nos leva até Jesus e com Jesus nos leva ao Reinado do Pai, que é a plenitude de nossa própria vida.
Peregrinos somos todos, mas não em guerra de estrelas (star-wars) e sim em um caminho messiânico que leva ao ouro, incenso e mirra de Belém, que é o sinal da verdade da vida. Trata-se sempre da voz do desejo que nos habita, e que não é outra coisa que expressão de nossa verdadeira identidade que nos chama para “voltar à casa”. Com efeito, o caminho no qual o desejo nos introduz é o caminho da verdade; a estrela sempre conduz à verdade. E sabemos ou intuímos que a verdade vai nos desnudar de tudo aquilo que havíamos absolutizado. Por esse motivo, é importante que nos perguntemos se realmente buscamos a verdade…, ou nos conformamos com qualquer coisa que a substitua.
A estrela não tem outra finalidade que a de conduzir-nos à “casa”, nossa gruta interior. Mas, apenas iniciamos o caminho, aparecem as dificuldades: os apegos que não estamos dispostos a soltar, as formas de viver que se fizeram habituais, o medo do incômodo que toda mudança supõe, o susto diante do desconhecido… e, em último termo, a ignorância básica que nos faz acreditar naquilo que não somos e nos mantém acomodados na noite da insatisfação existencial.
Os Magos (sábios) do Oriente são símbolo do ser humano em sua busca de Deus, em seu desejo de infinito e plenitude. Esta é a “impressão digital” de artista que Deus deixou em todos nós: a saudade do divino, do sublime, do infinito, do pleno, do Outro.
A estrela simboliza a força dos desejos mais profundos do ser humano (no latim, a palavra desejo “de-sid-erium”, contém a raiz “sid”: sideral, firmamento, horizonte). Portanto, quem deseja transgride as estreitas fronteiras da vida e se deixa conduzir para além de si mesmo; quem não ativa os desejos profundos, limita-se a vegetar, a cercar-se de proteção, a buscar segurança… atrofiando a própria existência. Só os nobres desejos, presentes em nosso interior, alimentam o espírito de busca, acendem a criatividade e nos movem ao encontro do novo e do diferente.
Se levássemos a sério o movimento de “saída” dos Magos, muitas coisas poderiam mudar: o interior de nós mesmos, nosso entorno mais próximo, a estrutura social, as igrejas, as religiões, a ecologia… O “quê” da questão não está nos verbos senão no sujeito ativo que gera o ato de sair, buscar e encontrar.
Como os Magos, precisamos ativar a capacidade de abrir a janela que nos conecta com a vida dos outros e nos permite continuar interessados, com paixão e com lucidez (para ter boas fontes de informação), por tudo aquilo que está ocorrendo em nosso convulsionado mundo. Visitar ambientes que talvez nunca tivemos ocasião de conhecer, sair de nossos espaços rotineiros e conhecidos, abrir-nos às surpresas da vida…
Os Magos perguntam àqueles que podem ajudá-los. Hoje precisamos dialogar com mais profundidade.
Todo ser humano é aventureiro por essência; com ardor, ele anseia por uma causa última pela qual viver, um valor supremo que unifique a multiplicidade caótica de suas vivências e experiências, um projeto que mereça sua entrega radical. Para dar sentido à sua vida e realizar-se como pessoa, o ser humano necessita da autotranscedência, isto é, viver para além de si mesmo, de seus impulsos, caprichos, interesses.
Ele carrega dentro de si a sede do infinito, a criatividade, a capacidade de romper fronteiras, os sonhos, a luz… Portador de uma força que o arrasta para algo maior que ele, não se limita ao próprio mundo; traz uma aspiração profunda de ser pleno, de realização, de busca do “mais”…
O desejo do encontro é força determinante para se manter acesa a chama da dinâmica da busca. É uma chama que se mantém acesa em proporção ao sentido e à grande importância de quem ou do que se busca. Vale a pena buscar o que é importante e encontrar Aquele que responde às razões mais profundas da busca.
Os Magos ensinam como devemos nos mobilizar para viver esse deslocamento (geográfico, interno, social…) para acolher intensamente a surpresa do encontro: caminham em busca, observam os sinais com atenção, desfrutam o trajeto com alegria, porque a alegria consiste em caminhar para o outro, entram no lugar onde Maria já oferece o ambiente aberto… É interessante notar este detalhe do texto do evangelho: “viram o menino com Maria, sua mãe” (v. 11); tudo indica que o tinham em frente, no centro, como o mais importante. Maria põe o Filho fácil de ser encontrado. Nem sequer perguntam por Ele, já o descobrem imediatamente. Não estabelecem diálogo com a mãe. Vão mudos e diretos ao objetivo. Podemos aqui intuir o regozijo de Maria, pois sua felicidade é que a humanidade descubra seu Filho como ela o descobriu.
Uma vez dentro, os visitantes se prostram, se abaixam, reconhecem, identificam, adoram. Em seguida abrem seus cofres e oferecem seus presentes. O relato diz que os magos levaram ouro, incenso e mirra. A meta, para a qual aponta a voz do desejo, requer desapego e desprendimento de nossos “tesouros”. E isso só é possível quando compreendemos que aquilo à qual nos havíamos apegado se esvazia diante da verdade d’Aquele diante de quem estamos.
Procuremos, neste dia festivo, seguir os passos do processo de busca-encontro-manifestação que os Magos experimentaram. Eles buscavam o Rei dos judeus porque “viram sua estrela”, e o encontram em um menino, em casa, com sua mãe, Maria. Descobrem o divino no humano mais frágil. Este é o núcleo da mensagem do relato da Adoração dos Magos. O divino está no humano. Quanto mais humano mais divino.
Como os Magos, também nós somos buscadores de Deus. E, como eles, devemos nos perguntar: a quê Deus buscamos? Onde o encontraremos? Como é possível saber que de fato o encontramos?
A Epifania consiste no encontro com Recém-nascido em Belém; o reconhecimento recíproco transforma os Magos em testemunhas vivas da Boa-Nova. Transformados, eles mesmos se tornam Boa-Nova e assim anunciam, em diálogo vivo, a Luz das nações.
Epifania é deter-nos a contemplar aquela Criança, o Mistério de Deus que se faz homem na humildade e na pobreza; mas é, sobretudo, acolher de novo em nós mesmos aquele Menino, que é Cristo Senhor, para viver de sua mesma vida, para fazer que seus sentimentos, seus pensamentos, suas ações, sejam nossos sentimentos, nossos pensamentos, nossas ações. Celebrar a Epifania é, portanto, manifestar a alegria, a novidade, a luz que o Nascimento de Jesus trouxe e que afeta toda a nossa existência, para sermos, também nós, portadores da alegria, da autêntica novidade, da luz de Deus aos outros.
Texto bíblico: Mt 2,1-12
Na oração: Em sua aparente simplicidade, o relato dos Magos nos apresenta perguntas decisivas: diante de quem nos ajoelhamos? Como se chama o “deus” que adoramos no fundo de nosso ser? Como cristãos, adoramos o Menino de Belém? Colocamos a seus pés nossas riquezas? Estamos dispostos a escutar seu chamado para entrar na lógica do Reinado de Deus e sua justiça?
– O que os Magos despertam em nós, hoje?
Pe. Adroaldo Palaoro sj