A gente se acostumou a tudo. Nada mais choca, ou preocupa, ou indigna. Vale tudo. E tudo parecer ser normal. Qualquer coisa mesmo. E a gente assiste e aceita. Olha passivamente. Como se não tivéssemos qualquer coisa a ver com isso. Como se não fossemos impactados. Possivelmente um dos piores efeitos.
E é com a alma lavada e enxaguada por esta passividade, que virou esporte nacional a dedicação a exercícios rematados de perda de tempo que levam a lugar algum e constroem o nada. Todos eternamente a espera de soluções que nunca vêm. Presos em um processo interminável. Condenados a participar de novela interminável escrita por autores sem qualquer imaginação ou familiaridade com a língua portuguesa.
Tudo consequência, sem duvida, das incontáveis frustrações que habitam a nossa memoria de fatos recentes. E de certa bipolaridade. Por períodos breves, deliramos. Em desvarios, delírios de grandeza, acalentamos sonhos e objetivos inatingíveis, divorciados da realidade. Momentos de arrogância (proposital ou não) seguidos sempre da dor causada pelo impacto do solo após rápida queda.
E, como não dá para parar o tempo, prosseguimos. E seguimos em depressão. E revemos aspirações. Como desconhecemos humildade, somos incapazes de aprender com erros. E os repetimos ciclicamente. Intermediando sempre por períodos longos em que a arrogância é substituída pela ausência de ambição.
A gente não sonha mais com melhora. “Despiorar” parece ser o suficiente. Como se a simples remoção do bode da sala resolvesse algo. Ou pior, a gente, incapaz de aprender, acaba sempre trazendo outros bodes. E reiniciando o ciclo. Até quando?
Nos trópicos, parece que os projetos morreram. Ou talvez mesmo jamais tenham existido. Há controvérsias. De certo, apenas que um dia nos venderam sonhos. E hoje entregam arrependimento. Sem sequer oferecer desculpa ou remorso.
E permanecemos no aguardo. Embalados na ideia improvável e possivelmente enganosa de que caciques e postes, fazendo as mesmas coisas, adotando os mesmos métodos, finalmente, entregarão um resultado diferente e melhor.
Resta, portanto, pouca razão para alegria. Apenas o consolo de que poderemos nos ver livres de alguns dos bodes que vinham habitando nossa sala. E a quase certeza de que novos bodes estão a caminho.
Elton Simões
Mora no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD),
com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria).