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Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu

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Como assumir seu gosto pelo mal, dor e morte alheias? Isso não seria assumir-se mal? A consequência disso para a própria vida seria avassaladora, não só do ponto de vista prático, mas também no subjetivo. O ser humano carece ser reconhecido como bom e sentir-se bom. Então, a única forma seria mentir para si.

Uma das formas de ocultar o próprio prazer no mal é justificá-lo. Observe bem os discursos que têm abundado no Brasil, particularmente aqueles que clamam por intervenção militar. Um vídeo é compartilhado em redes sociais falando das torturas impetradas nos porões do DOPS. Descendo aos comentários pode-se ler: “Boa coisa não era. Se não, não teria sido torturada” ou então “Tem que acabar com esses comunistas mesmo”.

As defesas à tortura são justificadas por tais pessoas pintando comunistas como maus e militares como bons que salvariam o Brasil da ameaça dos primeiros. Por que são maus? Porque têm visão política contrária, porque pensam o como construir uma sociedade melhor de modo diferente; por isso deveriam morrer. Na verdade, quem assim justifica só mente para si. A realidade é que têm prazer com a dor alheia e não podem admitir isso simplesmente.

Não é de hoje que os humanos se regozijam com a morte de outrem. Lembremos da Roma Antiga, com seus gladiadores. Imagine o Coliseu lotado para se assistir pessoas se matando. O povo sentia prazer na morte e ainda o sente. Lembremos no passado aqueles que iam às praças ver execuções públicas. Lembremos ainda dos linchamentos coletivos, quando grupos se juntam para fazer justiça com as próprias mãos e atacar um único indivíduo.

O prazer não está só em ver o fim do outro, mas em participar dele. A plateia se conecta com o executor e se sente ela própria operadora da morte. Já num linchamento, todos participam de modo mais ativo. E o interessante de ambas as formas é que a culpa deixa de ser pessoal. Assistindo, o expectador não pôs suas mãos; linchando, não matou sozinho. Importa sempre livrar-se da culpa, pois ela, cedo ou tarde, atormenta a consciência.

Assumir o gosto pela carnificina levaria a sociedade ao caos onde poderia se matar qualquer um. Por isso se faz uso da catarse, essa liberação de sentimentos e emoções por vias simbólicas. Os filmes de terror e ação ou diversos jogos se prestam a essa função. Vá a um estádio e veja; a massa se conecta com a equipe em campo e ela própria se sente como o time em sua totalidade. Derrotar o adversário é, catarticamente, destruí-lo. Cada gol é um golpe no inimigo. O mesmo vale para jogos de videogame, repletos de tiros e destruição ou para as batalhas que vemos em filmes e séries. A morte do inimigo faz com que o matador se sinta mais forte. E note como uma pessoa sai de um jogo ou filme e as sensações que carrega no corpo.

A chave desse prazer está em fazer do outro um inimigo. Ele não pode apenas ser diferente. Essa diferença deve se tornar ameaça, fazendo dele inimigo, o que justificaria sua morte. Então, não se estaria matando por prazer, mas por dever ou, no mínimo, legítima defesa. Trata-se de uma sensação de poder, de ser maior. Mas o assassino não se torna grande, apenas se sente maior que aquele de quem tira a vida.

A necessidade de tornar-se grande sobre os demais é típica de quem se sente ou se sabe pequeno e, em postura narcisista, precisa se afirmar a todo custo. Apesar dos avanços da sociedade, continuamos nos sentindo tensos por tudo o que nos ameaça. Se antes as doenças geravam medo e se culpavam as bruxas ou os deuses, hoje são outras coisas que nos fazem sentir ameaçados. Precisamos de novas bruxas para nos lançarmos sobre elas e as despedaçarmos ou sacrificar quem atraiu a ira divina. O prazer na destruição é quase orgástico. Primeiro a tensão e, no extravasamento, o gozo. Sentimos prazer em destruir.

Numa era em que se confunde o digital e o presencial, na forma de uma dupla realidade, a física e a virtual, não só promovemos linchamentos online, mas já começamos a matar o inimigo que inventamos. Importa catalizar o mal experimentado numa única figura para depois destruí-la. Assim se tem a sensação de eliminar o mal ao quebrar aquilo que o simboliza. Por isso, vira e mexe e criamos um bode expiatório. As configurações familiares estão em mudança e a compreensão dos papeis determinados pelo sexo biológico estão em xeque. A quem culpar? Que tal as feministas ou LGBT? Há uma crise econômica que é consequência de inúmeros fatores além da corrupção que tocam também políticas e balanças comericiais internacionais. Que tal culpar os comunistas?

O segredo é não ver o rosto de ninguém, mas criar uma falsa imagem genérica. Fulano pode ser bom, apesar de ser gay, mas LGBT são maus. Beltrano pode ser bom, apesar de ser socialista, mas Esquerda é má.  Ou seja, consigo ver bondade em quem vejo o rosto, mas vejo o mal na massa amorfa e indefinida dos grupos. Socialismo, Trotskismo, Comunismo, Leninismo etc. não são uma coisa só. A Direita também é muito mais que grupa A, B ou C, variando posicionamentos que não resultam iguais. Um liberal não pensa como um neoliberal. Também não existe homogeinidade no que chamam de comunidade LGBT; talvez nem haja comunidade. E não, nem todas as religiosidades levam a Deus; não dá para pasteurizar diferenças e achar que toda pessoa religiosa pensa de modo X ou Y porque usam de hermenêuticas diferentes para ler os mesmos textos sagrados.

Anulando as particularidades, pode-se criar uma imagem estereotipada e superficial que comporta qualquer culpa. Assim é fácil conseguir um alvo para destilar o ódio e para quem se poder verter toda fúria e desejo de sangue. Desmascarar a própria mentira não é interessante. O inimigo é necessário, seja para aliviar as próprias frustrações, culpando-o, seja para unir um grupo. Isso mesmo, o ódio une pessoas contra o inimigo comum. Não é atoa que alguns agrupamentos religiosos se fortalecem, não por terem uma missão comum para construir um mundo melhor, mas para destruir aquilo que julgam atrapalhar seu projeto de sociedade. Não é a construção o que importa, mas a destruição. E como o diabo ninguém nunca viu, nomeiam supostos representantes para ele.

Talvez nossa educação para o bem e para a ordem, para ser um cidadão de bem, tenha criado certa patologia ao pretender eliminar o caráter de violência e desordem que compõe o humano. Há quem julgue violento demais esportes como boxe, que tem função catártica, mas verta sua agressividade para grupos de ideologia contrária e destile o ódio na internet. Há quem não se permita ver certos filmes por supostamente serem do mal, mas veja inimigo por todos os lados em seu cotidiano, mesmo que as pessoas não o sejam. Precisamos de uma grande catarse coletiva. Diversas manifestações se prestaram a isso, mas acabaram se mostrando como aglomerados doentios de histeria coletiva. Estamos na fase da manipulação de nossos ódios, o que chamaria de a fase do pato patológico.

 

Gilmar Pereira
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF e em Teologia pela FAJE. 

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