A vida é uma difícil aventura de viver consigo mesmo. Muito daquilo que vemos no outro são apenas reflexos do que nossa alma insiste em não aceitar. A este sentimento denominamos projeção. O outro, por vezes, se torna um espelho diante de uma realidade que não aceitamos em nós mesmos.
A mais longa viagem que podemos fazer é para dentro do nosso próprio coração. Em territórios desconhecidos, os sentimentos ainda não reconciliados com nosso coração sempre são inimigos a serem combatidos em uma guerra sem fim. Entre o coração e solidariedade há uma ponte de amor a ser atravessada.
Quem não aprende a viver consigo mesmo, dificilmente conseguirá conviver com o próximo. Encontrar-se é uma arte. Somente quando aprendemos a caminhar com leveza, por entre os espinhos de nossa alma, é que conseguimos observar que as flores também se encontram lá, por vezes escondidas entre as ervas daninhas de nossa pressa existencial. O fruto da vida só é doce quando temos a coragem de vivenciar os processos de amadurecimento dos sentimentos que amargam a nossa história.
Muitos se acostumaram a fazer da vida um eterno plantão de reclamações. Acordam pela manhã reclamando do trabalho e das pessoas com quem terão de conviver durante o dia. Passam o dia reclamando de pequenas coisas que já se tornaram, em sua vida, montanhas de aborrecimentos. Aquilo que não aceitamos cria raízes em nossa alma.
Pessoas que se encontram nesta etapa de intolerância geralmente não consideram ninguém digno de confiança, não possuem amigos nem suportam ninguém. Não tem confiança em ninguém, porque não confiam em si mesmas; não tem amigos, porque são inimigas de si mesmas; não suportam nenhuma pessoa, porque não suportam mais a condição existencial na qual se encontram.
Muito mais triste do que reclamar, é alguém ter que conviver com todos estes sentimentos que fazem da alma um espaço de trevas onde a luz do amor, da bondade e da paz não conseguem entrar. Acostumou-se a viver na escuridão de seus próprios sentimentos. Enxergar a luz do sol do amor e da paz é tão doloroso quanto assumir os erros diante das realidades tão claras na vida.
A mudança interior começa quando assumimos a nossa responsabilidade diante das escolhas que fazemos na vida. Não adianta culpar o outro pelo mundo que criamos em nosso coração. Somos os artesãos de nossas dores e alegrias. Por vezes, será preciso nos aventurarmos na descoberta de nós mesmos e adquirirmos a consciência das trevas que habitam nosso coração, e lutarmos para vencer uma batalha, na qual a luz será sempre um caminho a ser reencontrado.
Quem deseja enganar a si mesmo, com as ilusões que cria diante dos seus próprios erros, faz da vida uma mentira e se perde nos territórios paganizados de sua alma.
Jesus conhecia o coração do ser humano, por isso mesmo o Seu olhar era sempre de misericórdia. Os erros de um tempo passado só poderiam ser deixados para trás se a pessoa aceitasse trilhar novos caminhos ao encontro de si mesma.
A cada dia somos chamados a fazer da vida a mais bela escola, na qual cada erro se torna oportunidade de crescimento humano e espiritual. O futuro é o presente que construímos em nós mesmos.
Pe. Flávio Sobreiro
padre da Arquidiocese de Pouso Alegre (MG)
vigário paroquial da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, Santa Rita do Sapucaí (MG)
Bacharel em Filosofia pela PUCCAMP
Teólogo pela Faculdade Católica de Pouso Alegre (MG)