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Aprendizes da cidadania

Quem vê e compreende os desgastes socioculturais e ético-religiosos de uma sociedade sabe da necessidade de profundas transformações. Especificamente sobre a sociedade brasileira, os muitos cenários insustentáveis revelam a urgência de uma virada civilizatória. Uma reformulação estabelecida em novas e adequadas dinâmicas, com incidências em processos de gestão e no relacionamento interpessoal – porque não bastam paliativos.

Para mudar, é preciso reconhecer os equívocos em processos sociais, políticos, no funcionamento de segmentos e instituições. Requer inteligente análise da realidade.  Oportuno, neste momento, é dedicar-se a refletir sobre as eleições em 2018. Muitas singularidades do período eleitoral merecem estudos aprofundados, capazes de indicar caminhos para a sociedade brasileira. Sem dedicar a atenção devida ao momento vivido pelo país, valores e princípios fundamentais à civilidade continuarão a se enfraquecer. Prevalecerá um modo de pensar ancorado na rigidez, que sustenta convicções fundamentalistas, alimentando a falsa crença de se possuir a absoluta verdade sobre projetos, pessoas e instituições.

Ora, a primeira atitude a ser tomada para se alcançar a virada civilizatória é cultivar a humildade a partir de força espiritual e epistemológica. Nesse processo, um importante requisito é libertar-se do egocentrismo, ter a clareza de que ninguém é o “centro do mundo”. Considerar-se ponto central da humanidade tem sido um hábito cada vez mais comum entre as pessoas, configurando-se, desse modo, uma patologia, que distorce e cristaliza a forma de se enxergar a realidade. Consequentemente, passa-se a considerar a própria cultura a única referência e o sustentáculo da história humana. Um perigoso sentimento de supremacia alimentado pela falta de humildade, responsável por inviabilizar o diálogo, quando compreende as diferenças não como riqueza, mas justificativas para confrontos e animosidades.

Assim, grupos sectários, étnicos e culturais, econômicos e religiosos se perfilam como “os donos da verdade”. Fechados em si, distanciam-se do real, pois se contentam com uma visão parcial da realidade. Esse modo de se relacionar com o mundo é fonte de fanatismo, força diabólica capaz de deteriorar a convivência fraterna entre pessoas diferentes, impedindo importante percepção: todos estão “no mesmo barco” e atacar quem não partilha das próprias convicções é provocar um “naufrágio”, vitimando todos, sem exceção. Hoje, lamentavelmente, pode-se fazer um comparativo entre essa “embarcação” prestes a afundar e o universo político, religioso ou institucional.

O antídoto para a rigidez de pensamento e o fundamentalismo é reconhecer a importância de ser humilde.  A humildade não admite a abjeção de agir em nome de Deus e, ao mesmo tempo, ser prepotente. Cultivar essa virtude permite reconhecer que se sabe menos do que se acredita. Atualmente, ninguém consegue articular e digerir o “tsunami de informações”, possibilitadas pelas novas configurações tecnológicas. Assim, atribuir a ignorância ao outro se torna um risco ameaçador por inviabilizar o caráter dialogal necessário à existência humana.

É preciso investir nas muitas formas de aprendizado para que o ser humano reconheça a mudança como uma constante na história. Basta observar o volume das sucessivas transformações nas diferentes sociedades. A rigidez, portanto, está na contramão da vida. É, nesse sentido, um equívoco preconizar o enquadramento e a padronização dos entendimentos ou defender retrocessos como forma de recuperar valores. O mundo convive com muitas perguntas e poucas respostas. Há, pois, a permanente necessidade de diálogo, indispensável para se conquistar mudanças sem perdas ou retrocessos.

A fidelidade a valores e princípios é imprescindível, mas não pode ser confundida com   ilusória onda de se voltar atrás. Há de se buscar caminhos para transformações, evitando o irreversível esgotamento de instituições e segmentos. Para isso, urgente é investir nas relações humanas, engajar-se, de coração, no compromisso de ser um humilde aprendiz da cidadania.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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