Dia 18 de outubro comemorou-se o dia de São Lucas e também o Dia dos Médicos. Revendo alguns dos meus escritos, encontrei um texto que escrevi há muitos anos, observando o que muitos pacientes passavam durante seu tratamento em hospitais. Hoje, aposentado, acredito que, muito lamentavelmente, esteja bem mais atual do que eu possa imaginar. Transcrevo então este “Apelo do paciente”, homenageando meus colegas que ainda acreditam na dignidade e na sacralidade da medicina.
“Doutores: quando estiverem cuidando de mim, por favor, não me deixem sozinho e sem qualquer informação sobre o que será feito em minha pessoa. Para vocês o hospital é bastante conhecido, e tudo ali lhes é familiar. Afinal, nele vocês passam uma grande parte de seus dias. Mas, para mim, mesmo não sendo minha primeira internação, tudo é novidade, tudo é assustador. Contudo, se alguém conhecido, especialmente o meu médico ou um dos membros de sua equipe que eu já conheço, estiver junto de mim, estarei seguro e me será mais fácil enfrentar tudo o que vier em seguida. Melhor ainda se essa pessoa puder segurar, carinhosamente, a minha mão nas situações mais estressantes…
Ao me locomover, por favor cubram-me com algo para me aquecer. O hospital é muito frio, e ainda existem os aparelhos de ar condicionado, bastante eficientes. Como vocês estão completamente vestidos, certamente não imaginam o frio que se sente estando com uma simples camisola.
Se possível, evitem arrumar os equipamentos e instrumentos cirúrgicos, enquanto eu estiver acordado na mesa de cirurgia. É extremamente estressante ver todo aquele instrumental e aparelhos que deverão ser usados em mim, sendo manipulados. Sei que tudo será em meu benefício, mas, ainda assim tudo me atemoriza e angustia.
Não comentem defeitos de equipamentos, nem reclamem da falta de algum medicamento no hospital, perto de mim, ou onde possa escutar tais reclamações. É terrível saber que determinado medicamento está faltando ou que algum equipamento se apresenta defeituoso, imaginando que ele seria importante para o meu tratamento.
Quando me prepararem, respeitem o meu pudor. É extremamente desagradável ver-se despido diante de tantas pessoas, mesmo sabendo que são profissionais acostumados a tais situações.
Respeitem o meu medo. Mesmo os mais valentes, diante de algum exame desconhecido ou procedimento cirúrgico, certamente irão tremer. Afinal, tudo me é estranho, tudo me é ameaçador. Se possível explique-me, em linguagem compreensível para um leigo, o que vai ser feito. Certamente vou entender – eu não sou “burro!” – e então poderei cooperar com todos. E respeitem o meu tempo para que possa me acalmar!
Não me tratem com impaciência nem me agridam com reprimendas ríspidas. Afinal, eu nada sei de medicina, e se me movimento ou coloco a mão onde não devo, não o faço por mal. São atos instintivos de defesa que realizo, por desconhecer as regras e pelo medo de algo que me ameaça. Vocês já pensaram que podem ser vocês mesmos, a ameaça de que tenho tanto medo? Tratando-me com carinho e paciência, certamente conquistarão a minha confiança e eu irei ajudá-los, muito mais do que imaginam!
Evitem conversas que possam demonstrar desinteresse por mim ou pelo meu tratamento. Vocês podem estar tão descontraídos que falarão de futebol, programas de televisão ou de política, com a maior naturalidade. Mas isto irá me parecer um grande desinteresse pelo que estão me fazendo. E o meu sofrimento será ainda maior. Além disso, se surgirem complicações no meu tratamento, certamente irei atribuir esse fato ao desinteresse da equipe médica e da enfermagem durante o procedimento realizado.
Se for submetido a anestesia geral, durante a sua indução, por favor, façam todo o silêncio possível. Naquele momento de passagem da consciência para a inconsciência, tudo o que acontece na sala é de extrema importância para mim. Poderei dormir com segurança e tranquilidade, ou então inteiramente transtornado por tudo o que ouvi sem compreender o que acontecia. E depois de anestesiado, lembrem-se de que continuo merecendo todo o respeito como quando acordado. Zombar de mim, do meu modo de ser ou de falar, do meu corpo, será uma enorme falta de ética e de caráter, coisa que jamais poderia aceitar em um grupo para o qual estou entregando a minha própria vida. É bom lembrá-los de que por razões ainda não bem explicadas, muitas pessoas são capazes de ver e ouvir, mesmo estando bem anestesiadas, lembrando-se de tudo o que aconteceu, quando voltam da anestesia…
Finalmente, quero lhes pedir que respeitem a minha condição de “ser humano”, independentemente de ser um paciente particular rico, ou um anônimo indigente, recolhido pelas ruas. Afinal, sou alguém exatamente igual a vocês: parte da humanidade, filho do mesmo Pai, criatura do mesmo Criador. E, por isso mesmo, mereço o mesmo respeito que vocês dedicam às suas mães, a seus irmãos, a seus filhos, e a vocês mesmos. Ainda que não acreditem no Deus Criador de tudo e de todos, pelo menos façam por mim, o mesmo que gostariam que lhes fizessem, e às pessoas a quem vocês mais amam! Muito obrigado!”
Evaldo D´Assumpção
Médico e escritor