O Evangelho deste domingo é desenvolvimento do tema do domingo anterior, ou seja, a videira e os ramos. Jesus explica em quê consiste essa “conexão” dos seus seguidores à Videira verdadeira. Apresentando como inspiração sua união com o Pai, Jesus vai des-velando a essência de sua mensagem. Sem usar metáforas nem comparações, Ele nos coloca diante da realidade mais profunda da mensagem evangélica: o Amor que, vivido na alegria, é a essência divina que mais nos humaniza.
Trata-se de entrar em sintonia, de “ajustar-se” ao modo de amar de Deus: amor descendente, amor sem fronteiras, oblativo, expansivo… e que se “revela mais em obras do que em palavras” (S. Inácio).
O(a) seguidor(a) de Jesus encontra-se, assim, envolvido(a) pelo Amor transbordante de Deus e, ao mesmo tempo, entra no fluxo desse Amor criativo, “descendo” à realidade cotidiana e ali deixando transparecer esse mesmo Amor através dos encontros com os outros. Portanto, o ser humano, na mística cristã, é o “ponto” no qual convergem o Amor “que desce do alto” e o Amor que flui para o outro, o Amor que vem do outro e o Amor que retorna à sua Fonte.
João põe na boca de Jesus a senha de identidade que distingue os(as) seus(suas) seguidores(as). É o mandamento novo, em oposição ao antigo, ou seja, a Lei. Fica estabelecida a diferença entre as duas alianças. Jesus não manda amar a Deus nem amar a Ele, mas amar como Ele ama. Na realidade, o mandamento do Amor não é lei que se impõe de fora; mas emana do coração alegre de Deus e de todos nós. É dinamismo expansivo que brota de dentro e nos impulsiona em direção ao outro, sem buscar recompensa.
Não se pode impor o amor por decreto. Todos os esforços que façamos por cumprir um “mandamento” de amor, está fadado ao fracasso. A busca deve estar encaminhada a descobrir o Deus que é amor, dentro de nós. No fundo, o evangelho deste domingo(6º Dom Páscoa) está nos dizendo que, para o(a) seguidor(a) de Jesus, a primazia é a experiência de Deus. Só depois de um conhecimento intuitivo do que Deus é em nós, poderemos descobrir os motivos do verdadeiro amor.
Nosso amor será “um amor que responde ao amor de Deus”; e Jesus deixou transparecer esse amor de Deus até o extremo da doação de si. Portanto, amor de Deus é a realidade primeira e fundante: descobri-la e vivê-la, é a verdadeira identidade daquele(a) que segue Jesus. Qualquer relação com Deus sem um amor manifestado em obras, será pura idolatria. A nova comunidade não se caracterizará por doutrinas, nem ritos, nem normas morais. O único distintivo deve ser o amor manifestado. Jesus não funda um clube cujos membros devem ajustar-se a uns estatutos, mas uma comunidade que experimenta Deus como amor e cada membro n’Ele se inspira, amando como Ele.
Nenhuma outra realidade pode substituir o essencial. Se isto falta, não pode haver comunidade cristã.
Jesus não apresenta este mandato do amor como uma lei que deve reger nossa vida, fazendo-a mais dura e pesada, mas como uma fonte de alegria. Quando entre nós falta o verdadeiro amor, cria-se um vazio que nada nem ninguém pode preencher de alegria. A alegria é o sentimento central na experiência cristã da Páscoa. Nossa alegria é Cristo ressuscitado. Ele é a causa de nossa alegria.
A alegria na vida cristã aninha-se e cresce na vivência do mistério pascal. A ressurreição de Jesus causou uma imensa alegria na comunidade dos(as) discípulos(as). A alegria é contagiosa. Tem uma dimensão social e comunitária. Nós não estamos alegres só porque Jesus está vivo, mas porque nos fez partícipes de sua ressurreição, de sua nova vida. Assim nossa alegria é a alegria de Jesus.
A vida cristã, por vocação e missão, deve ser alegre. Toda ela é profecia de alegria e esperança. A participação afetiva na alegria de Cristo é a forma de expressar o desejo da íntima comunhão no amor que reforça o seguimento. “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Com Jesus Cristo sempre nasce e renasce a alegria” (Papa Francisco).
Essa alegria, da qual nos fala Jesus, não é um simples sentimento passageiro; trata-se de um estado permanente de plenitude e bem-estar por ter encontrado nosso verdadeiro ser, luminoso e indestrutível. No encontro com o Ressuscitado surgirá espontaneamente a alegria, que é nosso estado natural.
A alegria, portanto, não é um estado de ânimo, mas um estado da pessoa. Por isso, a alegria não é algo que acontece na pessoa: é a pessoa mesma acontecendo. A alegria é “gerúndia”: é a pessoa alegrando-se. Só quando descobrimos quem realmente somos, estamos, então, em condições de viver para os demais sem limites. O verdadeiro amor é expansivo, é dom total; e a prova de fogo do amor é o amor ao inimigo. Se há um limite em nossa entrega, ainda não alcançamos o amor evangélico.
Os santos e santas, por viverem profundamente fundamentados no amor de Deus, foram testemunhas da alegria. Eles(elas) deixaram transparecer que o amor que Deus nos tem suscita a alegria e esta motiva, dá energia, gera confiança. Este amor é o que nos faz sair de nós mesmos, reencontrar-nos e entregar-nos aos demais. E aqui está o “peso” do amor, o vigor da alegria.
O amor é o princípio que ordena a vida e a alegria irradia harmonia e bem-estar àqueles que nos rodeiam. Existe, portanto, uma relação de reciprocidade entre a alegria e o amor. São como vasos comunicantes: a alegria brota do amor, o amor se expressa na alegria. É na atmosfera da alegria que o mandamento do amor revela seu pleno sentido.
Nisto consiste a verdadeira alegria: sentir que um grande mistério, o mistério do amor de Deus, nos visita e plenifica nossa existência pessoal e comunitária.
A alegria que brota do amor é a experiência da vida já ressuscitada; e este amor oblativo já não busca seu próprio interesse, mas somente o serviço e a glória do Ressuscitado. O Pai, em seu amor, pronunciou a palavra definitiva de fidelidade que consola e enche de esperança. Seu amor nos inunda e ativa a alegria pascal: é preciso devolvê-lo em gratidão e em generosidade para com o próximo.
A alegria sempre indica que a vida está se expandindo, que ganhou terreno, que conseguiu ir além de si mesma. Um sinal de identidade da alegria é o olhar profundo, amplo e expansivo da vida. Mesmo em meio à dor e ao sofrimento, não faltam o bom humor e a ternura. Quem é cristãmente alegre se desgasta menos, integra melhor os acontecimentos, é feliz e faz felizes os outros.
Quem vive na alegria se sente sereno, livre, pensa positivamente, está próximo dos pobres, acolhe as adversidades, integra suas contradições, ama sem pôr condições, louva, canta e bendiz sem cessar.
De fato, a alegria experimentada não nos põe na retaguarda nem nos acomoda; pelo contrário, nos pede que sejamos mais radicais nos questionamentos e nos compromissos. Está em jogo a glória de Deus e a dignidade de seus filhos e filhas.
Texto bíblico: Jo 15,9-17
Petição: Sentir em si mesmo a alegria de Cristo; alegria que é dom do Espírito do Ressuscitado. Em Cristo, as alegrias humanas são divinizadas. Considerar na oração os diversos motivos que lhe enchem de alegria.
“A maior prova da existência de Deus é a alegria dos pobres. Eles não tem outro motivo para se alegrar a não ser em Deus”. (D. Luciano Mendes de Almeida).
Pe. Adroaldo Palaoro sj