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A HORA DE LEVANTAR VÔO

Mudanças são a essência e o sabor da vida. O ser humano é um ser de mudança; só é humano quem vive em “estado de mudança”. A mudança é o elemento que traz energia, variedade, surpresa, côr e vida à vida. Trata-se de um “hábito do coração”: descobrir, examinar, purificar e substituir os hábitos inertes, os esquemas mentais fechados, as condutas petrificadas, os projetos sem horizontes…

É saudável questionar-se, abrir-se e aventurar-se a ver as coisas de maneira diferente e a responder às circunstâncias com espontaneidade nova.

Deus não nos deu um espírito de timidez, de medo, de fuga, de acomodação… mas de audácia, de criatividade, de luta, de participação… Movidos por sua força, vemos a possibilidade de questionar toda nossa atitude conformista, sacudir nossas convicções, ampliar nossos horizontes e animar nossa vida.

Toda mudança implica sair de nós mesmos, de nosso estreito mundo, de nossas práticas arcaicas, daquilo que nos protege e nos esteriliza para que possamos avançar em direção às novas fronteiras do espaço sem limites, que nos espera aberto e acolhedor.

Ser seguidor de Jesus, portanto, consiste em colocar-nos nos seus “passos”, com suficiente visão da realidade para ir adiante, e com bastante disponibilidade para mudar de caminho quando o sopro do Espírito assim nos sugerir.

O texto do evangelho de hoje nos situa diante de um denominador comum que é a mudança. O próprio Jesus vive um momento de mudança radical: rompe com sua família, com seu ambiente, afasta-se da estrutura religiosa centrada na Lei e no Templo e opta por deslocar-se para a margem social e religiosa de seu tempo (Galiléia e terra de Zabulon). Sua mudança de vida desencadeia um processo de mudanças nas pessoas, de maneira especial no grupo dos primeiros seguidores.

O olhar e o chamado de Jesus ativam um movimento na vida dos primeiros discípulos: deixam seu estreito mar e seu rotineiro trabalho para fazer caminho com o Mestre. Tudo começou às margens do mar da Galiléia… Jesus caminha e, ao passar ao longo do mar, viu aqueles homens que estavam retornando da pesca e entra no espaço vital deles. Exatamente ali, naquela vida tão normal, acontece algo novo. Jesus os chama do mar, os faz descer da barca e os convida a segui-Lo, para mergulhá-los no Seu mar, para fazê-los subir noutra barca, para atraí-los a uma vida diferente.

O seguimento só se realiza quando alguém se deixa conduzir para águas profundas num novo mar. Partindo do lugar e das coisas que representam as esperanças, as dificuldades, as decepções, os sucessos, as derrotas daqueles homens pescadores, Jesus pronuncia sua Palavra mobilizadora: “Segui-me e farei de vós pescadores de homens”, ou seja, compartilhar Sua mesma missão, “pescar” o que há de mais humano e nobre nas pessoas, ajudá-las a viver com sentido, tirando-as do mar da desumanização.

E Jesus tem a capacidade de extrair o maior bem possível do outro, de garimpar a autêntica qualidade humana de cada um, sem necessidade de dar-lhe lições ou arrastá-lo com argumentos racionais. “Eles deixaram as redes e o seguiram”: seguir Jesus é uma libertação. Na realidade, o que eles deixam não são só redes, mas tudo aquilo que aprisiona, enreda e que impede a vida ter uma dimensão maior.

Tocados pelo dinamismo de Sua voz e de sua Palavra, os pescadores se dão conta d’Aquele que estava passando: eles já tinham sido vistos, conhecidos, amados, escolhidos. Aquela Palavra que vibra forte, abre os olhos, a mente e o coração daqueles homens rudes do lago. Sentem-se chamados pelo nome, conseguem compreender melhor a si mesmos e redescobrem um sentido novo, um significado inimaginável para a própria existência. Eles descobrem o quão estreito era o seu mar cotidiano e entram no dinamismo da vida de Jesus, deslocando-se para o vasto oceano do Reino.

A experiência do encontro com a pessoa de Jesus, seu olhar compassivo e terno, a proposta ousada e desafiante que Ele nos faz… despertam dinamismos profundos e desejos nobres em nosso interior, sacodem nossa rotina e ampliam nosso atrofiado olhar.

Ao “fixar seu olhar” em cada um de nós, chamando-nos pelo nome, seremos movidos a assumir opções mais radicais e integrais pelo Reino, segundo o modo de ser, de viver e de fazer do próprio Jesus.

São grandes os riscos de se viver em horizontes tão estreitos. Tal estreiteza aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com as mudanças que se fazem urgentes. O próprio lugar se torna uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz. Ampliar os espaços do coração implica agilidade, flexibilidade, criatividade, solidariedade e abertura às mudanças e às novas descobertas.

Vivemos um tempo caracterizado por constantes mudanças e pelo movimento. No entanto, de uma maneira dissimulada, percebemos a presença de uma paralisia que perpassa nossa condição humana. E paralisia é o que ocorre quando algo que deveria mover-se e fluir, não se move, nem flui. Esse “algo” são processos, projetos, relações, aspirações, causas… E é essa mudança verdadeira que, quando não ocorre, nos faz sentir estancados, angustiados e sem brilho, embora aparentemente as coisas parecem andar bem.

Uma pergunta que normalmente costuma protagonizar nossas conversações com amigos e parentes é: “por quê você vai mudar?” Aumenta a curiosidade quando alguém que gosta muito do que está fazendo, sobretudo no campo profissional, decide mudar: “é verdade que você vai deixar? A gente percebia você tão feliz!”

Acontece que, às vezes, não há nada “mau” com o que estamos fazendo, mas sem entender muito bem por quê, há algo dentro de nós que nos impulsiona a sair, a ir além de nós mesmos, a levantar novo vôo. Alguém poderia nos perguntar: “Mas, se estava bem, para quê complicar-se ao começar algo novo?”.

A resposta que damos nunca poderá ser totalmente racional. Porque disso se trata: toda mudança nos leva a desatar nossa essência, isso que somos na verdade e que clama por sair.

O certo é que avançar supõe fazer opções, renunciar à comodidade do conhecido e dar lugar à mudança. Mas mudar nos dá medo e o medo, às vezes, paralisa. Temos medo de nossas próprias capacidades; tememos nossas máximas possibilidades; assusta-nos chegar a ser aquilo que vislumbramos em nossos melhores momentos. No entanto, não podemos ser “bonsais” de nós mesmos”, atrofiando nossos recursos internos e tirando o brilho de nossa vida.

Desprender-nos do antigo e dar lugar ao novo implica um processo sempre enriquecedor mas também doloroso. Muitas vezes, para escapar do sofrimento, preferimos evitar os riscos em vez de assumir o fato de que, para dar à luz algo novo, necessariamente devemos tomar a decisão de soltar o que nos mantém ancorados no nosso estreito mar e não nos permite singrar os vastos oceanos.

Pe. Adroaldo Palaoro, sj

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