«Nós», «os outros»: quantas vezes recorremos a estas categorias para compreender problemas e justificar atitudes. Ora, se estivermos mais atentos, dar-nos-emos conta de que é difícil definir as fronteiras entre estas duas entidades.
Quando juntamos os termos «nós» e «os outros» iniciamos um percurso suscetível de infinitas variantes: podemos adentrarmo-nos numa ponte lançada entre dois mundos, ou embater contra um muro. Podemos também descobrir a oportunidade de um entrelaçamento fecundo, da insuprimível conexão que habita quer nós quer eles. Sim, porque cada humano existe enquanto ser-em-relação: com quantos o precederam, com quem está ou esteve ao lado, com o “próximo”, com quanto teve ou terá maneira de encontrar, com o pensamento e as ações de pessoas que nunca conheceu. Até com quem nunca conhecerá, e todavia contribui com a sua existência ao admirável corpo coletivo da humanidade.
A consciência da íntima conexão entre cada um de nós e os outros deve ser despertada com lucidez, neste tempo em que se chegou ao ponto de conjeturar a “morte do próximo”, o desaparecimento daquele que é, à letra, é “mais vizinho”. Ao mesmo tempo que somos diariamente solicitados a uma solidariedade genérica com quem está distante, somos impelidos a não ver quem está ao lado e espera, primeiro que um gesto de comunhão, o simples reconhecimento da sua existência. Comunicamos à distância, interagimos em “tempo real”, sentimo-nos conectados a uma rede global, mas desviamos o olhar do “outro ao nosso lado”. Isto não derivará, talvez, de termos perdido a consciência de que, em última análise, “o outro somos nós”?
A este respeito, podemos obter inspiração de Michel de Certeau, teólogo e antropólogo, incansável viajante através de países e culturas diversas, que definia o ser humano como quem procura “dar lugar ao outro”: para ele, o outro, o estrangeiro, é, ao mesmo tempo, «o irredutível e aquele sem o qual viver já não é viver».
Sim, na dialética entre nós e os outros joga-se o difícil equilíbrio, nunca alcançado plenamente, entre identidade e convivência. De que maneira reconhecer e cultivar a própria identidade sem a colocar em relação dinâmica com ser junto do diferente? E como conviver num paralelo civil entre pessoas, etnias e culturas diversas sem ter a clara consciência da própria identidade, e de como esta se formou através de sucessivas e ininterruptas misturas com alteridades que, de longe, se fizeram vizinhas?
Edmond Jabès escrevia: «O estrangeiro permite-te seres tu mesmo, fazendo de ti um estrangeiro… A distância que nos separa do estrangeiro, do outro, é a mesma que nos separa de nós». Que esta distância seja ponte ou precipício depende só de nós, dia após dia.
Enzo Bianchi
In Monastero di Bose