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A FIGURA PARADOXAL DA BELEZA

A beleza é uma das faces de Deus que mais instiga e fascina o homem na revelação de seu mistério. Rodin esclarece que “não há, na realidade, nem estilo belo, nem desenho belo, nem cor bela. Existe apenas uma única beleza, a beleza da verdade que se revela. Quando uma verdade, uma idéia profunda, ou um sentimento forte explode numa obra literária ou artística, é óbvio que o estilo, a cor e o desenho são excelentes. Mas eles só possuem essa qualidade pelo reflexo da verdade.”.

Esta afirmação nos remete a uma afirmação teológica fundamental.  Se a fé nos diz que Deus é a verdade, a experiência humana ao longo dos séculos e milênios tem nos revelado que a verdade é bela, ou que o belo é o verdadeiro.  Beleza e Verdade são outros nomes para o Deus que as diversas religiões vêm nomeando ao longo dos tempos, experimentando em suas vidas e vendo-se por elas fascinadas.

Contemplar a Deus, experimentar sua presença tem sido descrito com palavras, imagens e metáforas muito próximas daquelas utilizadas para  descrever a experiência estética.  Na tradição judaico-cristã e na rica mística gerada pelo cristianismo, a ética e o apelo ao compromisso no serviço ao outro anda de par com a experiência do fascínio e deslumbramento pela contemplação da beleza desse Outro que fascina e atemoriza com a força de sua sedução.  A mística tem, inegavelmente, uma dimensão estética.

Porém, de que estética e de que beleza se trata?  Certamente não da beleza dos padrões ditados pelos parâmetros humanos.  A beleza do divino é desconcertante e imprevisível, apresentando-se freqüentemente com visibilidade e signo invertido e paradoxal, deixando aquele ou aquela que a experimenta perplexo e fascinado, buscando captar a direção que lhe é mostrada com tal experiência.

Desde os primeiros séculos do cristianismo, opõem-se duas concepções relativas à interpretação da figura de Cristo e sua representação.  Orígenes foi um dos primeiros a defender a representação de um Cristo perfeitamente belo.  Apoiava-se no salmo de David, que cantava: “Oh mais belo dos filhos dos homens, reina, triunfa pelo fulgor atraente de tua beleza”.  Esta sublimação do Cristo respondia às concepções teológicas de São Gregório de Nissa, de São Jerônimo, de Santo Agostinho e São João Crisóstomo.

Por outro lado, os monges e Padres da Igreja da África e da Ásia Menor se recusavam representar um Cristo de beleza fulgurante. Seguiam nisto o profeta Isaías: “ O Filho do Homem é sem beleza e sem brilho, nós o vimos e o desconhecemos.  Era um objeto de desprezo, o último dos homens, um homem das dores e conhecendo a enfermidade.  Não tinha graça nem beleza que pudesse atrair nossos olhares.” São Cirilo de Alexandria, bispo de Jerusalém, e São Basílio, bispo de Cesaréia, foram partidários de uma representação austera, melhor adaptada ao Cristo, que recusou todas as tentações do mundo, veio para a redenção dos pecadores e foi crucificado vergonhosamente com os escravos.

Ao longo da história do Cristianismo, estas duas tendências vão se alternar  sobre as representações da figura de Jesus Cristo.  Ora será representado com esplendor e glória dentro dos cânones de beleza vigentes em cada época, como os Cristos bizantinos e renascentistas, ora  representado e venerado inseparável do mistério de sua cruz, com as mais dolorosas representações de seu sofrimento e suplício, no qual os seres humanos verão sua salvação e esperança, no consolo de seu próprio sofrimento e dor.

Maria Clara Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

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