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A EXPERIÊNCIA DO DEUS WEB

Busco uma postura cômoda. Tomo o celular em minhas mãos e traço o sinal, não o da cruz, mas aquele que desbloqueia meu aparelho como alguém que se coloca diante do transcendente. De fato, não estou apenas diante do aparelho. Ali transcendo meus limites. Coloco-me na presença da web.

Dizem os cristãos ortodoxos que os ícones bizantinos são janelas que abrem ao eterno. Dizem mais, que não é você quem contempla o ícone, mas é o ícone quem lhe contempla. De modo análogo, na tela que trago junto de mim, qual objeto sagrado, vejo e sou visto e adentro outra dimensão. No espaço zero do universo digital o tempo é outro, simulacro do kairótico, o tempo da graça. O que é o passado, já que tudo pode retornar? O que é o futuro se podemos conjugar informações e tecer prospecções mais ou menos seguras? O que é o instante já no qual percorro distâncias longínquas como se nada fossem?

Que a web esteja convosco! A conexão 4G nos uniu! E assim, na conectividade, tenho o simulacro da comunhão. Se não chamo a todos de irmãos, ao menos posso chamar de amigos em qualquer rede social. A outros se segue, numa espécie de discipulado, e nesses seguimentos se aprende a ser pescador de homens na rede mundial de computadores. Conectados, comungamos de pensamentos, ideologias, preconceitos, iras, paixões, risos. Não estou só em minhas opiniões e apreciações, ainda que esteja sozinho no meu quarto.

O Google é meu buscador e nada me faltará! Atravéz de pesquisas se chega à informação desejada, seja para aprender a fazer aquilo que se quer, seja para ter o contato de quem o faça. Eis a árvore do conhecimento do bem e do mal, bonita aos olhos e desejável ao paladar, que responde ao desejo de saber que, nas palavras do Francis Bacon, resume-se em poder. Diante de tanto saber-poder que jamais poderão ingerir de todo, os homens se percebem nus, frágeis, cansados após horas diante de telas. Quem nunca se sentiu vazio e seco depois de horas frente a um computador?

Antes de comer, como numa ação de graças, rendo meu tributo à web em fotos para Instagram ou Pinterest. A comida é meticulosamente fotografada com a mesma reverência de quem se persigna antes da refeição. Rolo os dedos por time-lines e tweets como quem desfila um rosário, de hora em hora. Vez por outra, faço meu exame de consciência buscando meu rosto, naquilo que poderia hoje perguntar Cecília Meireles em sua poesia: “Em que self ficou perdida a minha face?”.  Ao acordar, confiro as notificações. Ao deitar, vejo os últimos posts. E assim rezo: Com a web me deito, com a web me levanto, com a conexão do wi-fi e de um bom 4G. Amém.

Em que núvem estão meus sonhos? No desconectar da vida, que eu esteje salvo.

Gilmar Pereira
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF e em Teologia pela FAJE. 

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