Um dos verbos mais utilizados em toda a Bíblia é «escutar». Desde o início, o Povo de Deus pensou-se a si próprio como comunidade de escuta. Se há uma representação que exprime com fidelidade o que o Povo de Deus faz quando se congrega ou quando caminha ao longo da história, é a premissa do verbo escutar.
Organizamos o tempo como um ambiente habitável; aprendemos a abrir o coração como se este fosse o nosso ouvido principal; dispomos o corpo individual, e esse corpo coletivo que é a comunidade, a receber a palavra; unimo-nos uns aos outros numa assembleia heterogenea, mas fraterna, para viver a escuta.
Experimentamos a vinda de Deus através de uma Palavra que nos requer uma escuta total e comprometida. Mas sabemos que a escuta é uma arte que tem de ser trabalhada. «Quem tem ouvidos, escute!», insistia Jesus, recordando-nos assim que a escuta não é automática: exige a mobilização das nossas forças mais vitais.
Para escutar temos ainda, talvez, de silenciar a voz indistinta que nos captura, emudecer o rumor, fazer calar as resistências interiores que são muitas vezes uma concha que blinda a vida e não permitem à beleza da Palavra revelar-se.
Surpreendo-me por vezes a interrogar-me se, como diz a Carta aos Hebreus (4,12), a Palavra já me penetrou até às junturas e às medulas, até ao ponto de divisão da alma e do espírito.
[D. José Tolentino Mendonça | In Avvenire]
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