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Sermão das Sete Palavras proferido pelo Rev. Pe. Luciano Zilli, por ocasião da Sexta-Feira da Paixão/ 2022

Irmãos e irmãs, neste dia santo, a Igreja nos convida a voltar nossos olhares à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. O que vemos na Cruz? Muitos não resistem a tão grande horror, por isso, desviam rapidamente seus olhares. Outros encontram nela o consolo de sua alma, um poço inesgotável de misericórdia. Contemplar o Filho de Deus, o mais belo entre os filhos dos homens, desfigurado e morto na Cruz, exige do ser humano não só um ato de coragem, mas de fé, de profunda fé no profundo oceano da misericórdia divina.

A morte de Cristo foi, e sempre será, um ato de injustiça e, ao mesmo tempo, um ato de amor: do ponto de vista humano, a Cristo – acusado injustamente pelos homens, cujos falsos testemunhos não concordavam (Mc 14,56) – não lhe foi concedido o direito de se defender. Diante de tanto horror, os que o seguiam se dispersaram por medo e covardia. As autoridades, religiosas e política, que deveriam lhe render justiça, se unem, ao invés, para lhe acusar e condenar. O inocente filho da Virgem Maria, o peregrino da Galileia, pregador de um Reino fundado no amor, o inquietante profeta, acolhedor de pobres, órfãos e viúvas, incomoda o sistema dos poderosos, por revelar sua estrutura de falsidade e injustiça; por sua vez, da parte de Deus, a morte de Cristo é um ato de amor. Na verdade, a maior prova de amor de Deus para com a humanidade. De fato, não há prova maior de amor que dar a vida por alguém. Cristo deu sua vida por toda a humanidade. Além daquilo que nos é permitido ver – a morte de um inocente na Cruz –, a morte de Cristo revela-nos um mistério: o mistério da redenção da humanidade. Decaída no pedado, desde os primórdios, a humanidade errava por vias tortuosas, distanciando-se cada vez mais de Deus todas as vezes que incorria em pecado. Somente um poderoso salvador poderia lhe restabelecer a antiga amizade com Deus.

De acordo com o Apóstolo São João, Cristo é a Palavra de Deus que se fez Carne, (gr. lógos; lt. verbum). Essa Palavra estava com Deus desde o princípio, por meio Dela Deus criou o mundo; esta Palavra era Deus e se fez homem, se encarnou. Assim, São João nos revela o modo com o qual Cristo participa do mistério da Santíssima Trindade: Ele é a razão divina, na qual todas as coisas criadas encontram sua razão de ser. Tudo na criação tem sentido, pois tudo foi criado por Deus através de Cristo, e, entre todas as coisas criadas, de modo extraordinário, refulge o ser humano, por ter sido criado a imagem e semelhança do próprio Deus. Por isso, sendo Cristo a Palavra de Deus, Ele é o único capaz de nos revelar Deus tal como Ele é, em sua essência. Ele eleva nossa inteligência decaída, da ignorância ao conhecimento pleno da verdade. Sendo o ser humano criado a imagem e semelhança de Deus, ele é o único ser criado capaz de dialogar com Deus, e, consequentemente, compreender sua vontade. Mas Cristo quis também participar da sorte da humanidade; por isso, se encarna – São Paulo (Fl 2) entende isso como kénosis/humilhação (2ª. leitura Domingo de Ramos) –, não é só Deus, mas Deus encarnado. Logo, quando Cristo nos fala, seja com palavras ou com atos, nossos ouvidos se abrem e nossos corações ardem (cf. Lc 24, 32).

Durante os anos em que Jesus percorreu as vilas de seu país pregando o Evangelho, Ele foi reconhecido por ser um homem poderoso em palavras e atos diante dos homens e de Deus (cf Lc 24, 19). Nisso se pauta sua autoridade, que o distingue radicalmente dos escribas e fariseus, que falavam muito, porém, não agiam de acordo com a própria palavra; por isso, são hipócritas, e duramente rechaçados por Jesus. Entendemos, assim, que tudo na vida de Jesus, suas palavras, mas também seus atos, gestos, tudo, enfim, revela Deus. Por isso, é preciso atenção ao caminhar com Jesus, pois um gesto, aparentemente insignificante, pode revelar a grandiosidade do amor de Deus, seu desejo de se comunicar com os homens. Jesus proferiu muitos ensinamentos durante sua vida pública: sermões, parábolas, exortações. Muitos desses ensinamentos, aqueles considerados os mais relevantes para a fé da Igreja, foram-nos transmitidos pelos escritos de seus discípulos e hoje podemos lê-los nas páginas da Sagrada Escritura. Porém, ao lermos os Evangelhos da Paixão de Nosso Senhor, espanta-nos a atitude de Cristo que suporta todo seu sofrimento calado, como uma ovelha levada ao matadouro, (Is 53,7 – 1ª leitura). Quando cessam as palavras, os gestos começam a falar. A Paixão de Jesus, que começa na última ceia, passando pela agonia e a prisão no Getsêmani, o injusto interrogatório na casa do Sumo Sacerdote, o abandono de seus amigos, a condenação no pretório de Pilatos, o caminho da Cruz, a via-sacra, sua crucificação e morte; todo esse processo está repleto de profundos gestos de amor e de entrega a Deus e à humanidade. Na Cruz, Cristo fala pouco, quase calado, ele sofre toda a dor e abandono. Todavia, se seguirmos os Evangelhos da Paixão, encontraremos sete palavras; na verdade, sete breves declarações sussurradas pelos seus lábios sedentos e ofegantes, pois Cristo se encontra no extremo de suas forças humanas. Os interlocutores dessas palavras são o bom ladrão, sua mãe Maria, o discípulo amado, e, sobretudo, o Pai. A Ele, ao Pai que tanto ama, Jesus se volta com palavras que revelam a plena intimidade de um filho abandonado à mais cruel solidão. Nessa hora derradeira, em que até a luz se retrai, abandonando-o numa atmosfera gélida e tenebrosa – recordação do caos primordial – Cristo não tem mais ninguém a se dirigir, senão a seu Pai, a quem obedecerá até que não se tenha tomado a última gota do amargo cálice. São palavras cheias de sentido e de sentimentos; nenhuma revolta: tudo revela amor, até mesmo o dilacerante grito, quando devolverá ao Pai o seu espírito vital. Meditemos, então, queridos irmãos e irmãs, cada uma dessas sete palavras de Jesus.

I. Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem (Lc 23, 34)
A morte de Cristo foi um ato de injustiça. Plenamente inocente e sem direito a se defender, foi duramente açoitado, exposto a vergonha e pregado em uma cruz, pena capital máxima destinada aos piores bandidos. No alto da cruz, já quase sem vida, Cristo ainda encontra forças para interceder junto a Deus pela sorte daqueles que o condenam e o assassinam: Eles não sabem o que fazem. Diante de um mundo marcado por tantos crimes, tantas injustiças, será que alguém tem consciência de seus atos? Jesus sabe que seus algozes são ignorantes. Não são capazes de ver no homem de Nazaré o rosto misericordioso de Deus. Não são capazes de deixar ressoar em seus corações aquelas palavras tão profundas e cheias de esperança. O ódio cega e nos leva à ignorância dos próprios atos. Por isso, Cristo pede ao Pai que não leve em conta o pecado daqueles homens, que, mergulhados nas trevas da maldade, matam o Filho de Deus, o Salvador da humanidade. Não sabem, porém, que matando Deus, estão, na verdade, atraindo a vida para o mundo.

II. Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso (Lc 23, 43)
Cristo sofre, mas sabe que Deus não o abandonará no reino dos mortos. Ele sabe que após passar pela escuridão da morte, Deus o acolherá na luz da eternidade. Por isso, promete a esse seu companheiro de infortúnio, popularmente chamado bom ladrão, o paraíso ainda mesmo naquele dia: Hoje estarás comigo no Paraíso. A esperança que transparece nessas palavras de Jesus, nos permite entrever os primeiros raios de luz que irradiarão do sepulcro no domingo de Páscoa. Ao prometer ao ladrão arrependido um lugar no paraíso, Cristo nos revela que sua morte não será em vão, pois, por meio dela, o gênero humano terá garantida sua salvação. Impressiona-nos a solidariedade de Cristo, nessa hora tão extrema, com esse bom ladrão, o que nos leva a refletir sobre nosso comportamento diante de tantos irmãos e irmãs que padecem dos mais cruéis tipos de injustiça. Cristo perdoa e acolhe em seu Reino. Nós tantas vezes preferimos condenar.

III. Mulher, eis aí o teu filho. Filho eis aí a tua Mãe! (Jo 19, 26)
Entre as palavras de Cristo na Cruz, com certeza, essa é a mais tocante. Aos pés da Cruz, encontravam-se as pessoas que Cristo mais amava: sua adolorada mãe e seu discípulo, justamente identificado como o discípulo amado. É muito difícil imaginar que alguém minutos antes de morrer consiga se preocupar de modo tão profundo com os que estão ao seu redor. A Virgem Maria não tem outros filhos, e João, o único dos discípulos que suportou contemplar o horror da Cruz, se sente desconsolado ao ver seu amado mestre e senhor morrer. Jesus não possui mais nada; o que ainda lhe resta Ele transforma em dom; afinal sua morte não seria doação se Ele não tivesse doado tudo. Assim como na encarnação Cristo se despojou de sua divindade, sobre a Cruz, Ele se despojará do que resta de sua humanidade. No Calvário, do que ainda não lhe havia sido tirado, Cristo vê sua mãe e seu fiel discípulo e não quer morrer antes de fazer deles um dom. Por isso, doa a seu discípulo sua mãe, que o recebe como filho: Mulher, eis aí o teu filho. Filho eis aí a tua Mãe! Filho que representa toda a humanidade, todos os discípulos órfãos. Assim Cristo não nos doa somente sua vida, mas igualmente sua mãe, a mesma que lhe dera a vida. Afinal, que sentido teria nossa vida se não tivéssemos uma mãe. Todo homem precisa de uma mãe!

IV. Tenho Sede! (Jo 19, 28)
Os homens sempre travaram guerra por água. Água é vida. Hoje existe uma grande preocupação com o futuro do planeta, pois muitos de seus mananciais estão ameaçados de desaparecer, tal é a ganância de alguns. Na Cruz, Cristo tem sede. Se pensarmos que Ele passou toda a noite numa prisão e foi submetido a um interminável inquérito, no qual saiu condenado, não é difícil de entrevermos seus lábios ressequidos e sedentos. O Filho de Deus, que tantas vezes acalmou as águas do mar agitado, tem sede. Nada mais humano que sentir sede. Mas a sede de Jesus não é somente dessa água; Ele mesmo havia prometido à samaritana uma água que saciaria para sempre sua sede. Cristo tem sede de justiça, tem sede de vida, não dessa vida que os homens lhe estão tirando, mas daquela que Deus lhe dará no terceiro dia. Vida plena para a vida do mundo. A sede de Cristo deve ser a nossa sede. E essa sede só Deus pode nos saciar. Se por um lado Cristo tem sede e seus algozes lhe oferecem uma bebida amarga a fim de lhe entorpecer, ao final, será Ele a oferecer a água viva ao mundo, quando, de seu coração jorrarem sangue e água.

V. Eli, Eli, lema sabachtani? – Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes? (Mt 27,46; Mc 15, 34)
O horror da Cruz parece ser tão grande a ponto de confundir o Filho de Deus, o servo sofredor, que não desvia seu rosto “das bofetadas e sua face daqueles que lhe quer arrancar a barba” (cf. Is 53). Não nos deveria causar espanto o fato de Cristo, Deus, mas também homem, se sentir abandonado. No alto da Cruz, quando a luz de esconde e o reino das trevas predominam, não é fácil ver o rosto de Deus. Não é fácil escutar a voz do Pai ressoando das nuvens, como no Jordão, no dia do Batismo, e no alto do Tabor: “Este é meu Filho amado, meu predileto, no qual encontro alegria”. No monte Calvário, o Cristo transfigurado, deleite de Deus, se encontra totalmente desfigurado, a ponto de perder sua aparência humana. O mais belo entre os filhos dos homens se transformou no maior opróbrio de sua raça: “Não tinha beleza nem atrativos para o olharmos” (Is 53,2b) Porém, e preciso notar que essas palavras pronunciadas por Cristo são as mesmas com as quais se inicia o salmo 23, conforme ouviremos hoje na celebração da Adoração da Cruz; trata-se de um salmo de súplica, que termina na profissão de fé e de esperança em Deus, que liberta seu servo das mãos de seus inimigos e o salva por sua compaixão.

VI. Tudo está consumado! (Jo 19, 20)
Muitas vezes Cristo previu sua morte. Ele falava de uma tal hora: Minha hora ainda não chegou. Agora, no alto da Cruz, Cristo acredita ter cumprido em tudo a vontade do Pai, por isso, exclama: Tudo está consumado. A certeza do dever cumprido reveste a dramática cena de uma paz inquietante. Ao mesmo tempo, Cristo nos transmite compaixão e paz. Seu corpo desfigurado não causa mais horror e medo, mas nos convida à contemplação de um mistério que perpassa toda capacidade humana de compreensão. Com essas palavras, a cena do Calvário se transforma numa beleza paradoxal: o rosto de Jesus, tão castigado pela fúria dos homens, revela a beleza do amor divino e a certeza de ter cumprido o imperativo do amor até o fim. Se da parte dos homens o Calvário é o evento mais cruel e injusto da história; por sua vez, Deus, que age por vias desconhecidas à razão humana, transforma o Calvário numa fonte de beleza e bondade, capaz de restituir à humanidade pecadora aquela beleza e bondade perdidas devido à desobediência de nossos primeiros pais: Oh feliz culpa, que mereceu tão grande Salvador…, cantaremos amanhã, iluminados pela luz do fogo novo, enquanto, com a Igreja, proclamaremos ao mundo que Cristo ressuscitou para sempre. Dessa forma, a estética da Cruz reflete o Amor de Deus, que suporta pacientemente o sofrimento e a injustiça até o fim, até a certeza de que tudo foi consumado.

VII. Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito! (Lc 23, 46)
Jesus cumpriu em tudo a vontade de seu amado Pai. Os homens não lhe podem causar mais dor e humilhação. Tudo o que Ele possuía foi dado à humanidade. Sua vida não lhe pertence mais. Pertence ao Pai; por isso, nas mãos do Pai, Senhor da vida, Cristo entrega o seu Espírito, seu sopro vital, como aquele que um dia Deus havia insuflado nas narinas de Adão, tornando-o um ser vivente. O homem veio do pó e ao pó deverá retornar. Cristo veio de Deus e a Deus deseja voltar após ter cumprido todas as exigências do Amor. A humanidade finalmente está reconciliada com Deus. As portas do paraíso voltam a se abrir e o homem torna à comunhão com seu Deus. Na morte de Cristo, nós revivemos. Ao entregar ao Pai seu Espírito, Cristo recupera para nós o espírito da vida que o pecado nos havia roubado.

Irmãos e Irmãs amados, que cada uma dessas palavras de Nosso amado Senhor possa atingir profundamente nossa alma. Que elas provoquem uma revolução em nosso modo de pensar e agir. Que elas nos convertam e nos preparem para o dia de luz que virá depois das trevas desse dia: a luz da ressurreição, a vida nova para todos os que desejam renascer com Cristo.

Nós vos adoramos, Senhor Jesus, e vos bendizemos! Porque pela vossa Santa Cruz remiste o mundo!

Pe. Luciano Zilli
Assistente pastoral junto ao Santuário São Judas Tadeu – BH
Doutorando junto a FAJE – BH