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Pandemia e Lava-pés: o mesmo escândalo que propõe mudança

Samantha Guedes Barbosa – Pastoral da Cultura do Santuário

A experiência de uma Semana Santa atípica, sem frequentar as igrejas e os cultos, aguça os nossos sentidos e sentimentos, para não só fazermos memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus, mas de, sobretudo, reavivarmos em nós a fé e a potência desse Amor maior. O Evangelho da Quinta-feira Santa é sempre provocador e comovente pra mim. Hoje, ele nos suscita a fazer uma analogia com o cenário atual, após o mundo sofrer as consequências de uma pandemia. Não tenho dúvidas, que assim como no lava-pés, Jesus também nos chama a ampliar a nossa visão, a sairmos da mesmice e ousarmos a pensar diferente, alargando a mente e o coração.

A posição de Jesus, ao assumir o lugar daqueles que servem, já nos indica que a sua escolha tem a intenção de deslocar o nosso olhar, tantas vezes condicionado a enxergar da mesma forma. Ou seja, distanciando-se do lugar reservado àqueles que presidem a mesa, Ele se permite conhecer o outro lado, a se colocar no lugar do outro, a não ignorar a realidade, a fragilidade e as limitações das pessoas. Mais do que isso, Ele põe por terra, qualquer vaidade ou pretensão de superioridade ou domínio. Ele não só vê de perto, mas por dentro, cada indivíduo que os outros consideravam distante e fora. Porque Jesus rompe com o nosso critério avaliativo e excludente. Ele eleva aqueles que não são contados, aqueles que são esquecidos ou anulados pela nossa resistência em reconhecer que todos têm o mesmo valor.

Por que para alguns a pandemia é tão ameaçadora? Não questiono aqui os motivos óbvios de sermos acometidos pela doença e, assim, termos medo da morte ou de perdermos quem amamos. Tudo isso é compreensível e humano. No entanto, precisamos nos atentar às razões escusas que continuam oprimindo e massacrando a vida. O lugar assumido por Jesus, ainda hoje, causa incômodo e sobressaltos, porque se revela como uma ameaça ao nosso comodismo. Porque nos tira da zona de conforto e nos convida a descobrir novos significados que não coincidem, muitas vezes, com os nossos planos. O amor de Jesus é escandaloso porque denuncia a falsidade das relações pautadas pelo poder e apresenta a face compassiva, acolhedora e sem medidas da gratuidade. A preocupação e estreiteza em ocupar um lugar são substituídas pelo horizonte alegre e criativo da solidariedade, da doação, do serviço.

À luz do lava-pés, fazemos uma instigante leitura dos nossos dias de isolamento social. Por mais antagônico que possa parecer, recebemos a oportunidade, talvez como nunca, de vivermos intensamente esse momento. De nos colocarmos inteiramente no presente, sem a ansiedade excessiva de planejar o futuro. Já que o momento exige que se viva um dia de cada vez, não é mais possível sacrificar o hoje para projetar o amanhã. É hora de cuidarmos de nós, do próximo, da sociedade, do planeta. Mesmo sabendo da má distribuição de renda e que pessoas afortunadas terão melhores tratamentos, podemos fazer a escolha de frear a ganância e de percebermos que somos igualmente mortais. É hora de reforma íntima, de reconhecer que o dinheiro não suprirá o vazio que nos consome . Que cuidar do bem comum, sem expor a saúde de todos que estão a sua volta, vale mais do que simplesmente obter um efêmero prazer. Que o fato de estarmos em casa, não nos isenta de preocupar e desejar que todos sejam protegidos e, então, admitirmos que a nossa família é maior, que precisamos uns dos outros. Que um vírus invisível de contaminação global nos convida a enxergar o todo e não mais só o nosso umbigo. Que já passou da hora de romper com qualquer tipo de preconceito.

A lógica de Jesus é mesmo outra. Não se alimenta de uma ordem escravocrata, que determina os de cima e os de baixo, os que mandam e os que obedecem, os que são privilegiados e os que são descartáveis. Muito antes pelo contrário, renuncia à hierarquia para apresentar a grandeza de um coração comprometido com todos e com cada um. Será que também nós, assim como os discípulos, compreendemos o que Ele fez? Sendo o Mestre ensinou o que é necessário ao se relacionar com as pessoas. Portanto, a nossa missão também consiste nesse exemplo: autoridade como sinônimo de serviço e não dominação. Lavar os pés de alguém é convite gentil à dinâmica dessa ternura misericordiosa. É dizer ao pé do ouvido que todos merecem ser cuidados e encorajados a assumir o seu papel de discípulo-seguidor, com dignidade e autonomia. 

Com o lava-pés, Jesus vem nos dizer que a sua hora é o Amor. Transbordamento de humanidade que é de toda hora, por todo o tempo, desde sempre e para sempre. Não estamos sós. É Dele essa fome de justiça, união e paz que também lateja em nosso peito. Com o lava-pés, Jesus inaugura a beleza circular do Reino; a mística da mesa que celebra a igualdade e a partilha, a chama do amor que ilumina os rostos e nos faz semelhantes a Ele. Com a pandemia, estaremos nós dispostos a inaugurar um mundo melhor? Ainda haverá tempo para aprendermos a lição? Que as palavras se prolonguem como braços e mãos imaginários, a fim de tocar os seus pés e reerguer o seu ser, como o gesto interminável do Filho de Deus.