Francisco recebeu em audiência, no Vaticano, o corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé para os tradicionais votos de Ano Novo. Num mundo marcado pela pandemia, o Papa defendeu a vacinação: não são “instrumentos mágicos de cura”, mas “a solução mais razoável para a prevenção do coronavírus”.
Pandemia, migração e mudanças climáticas: para o Papa Francisco, são estes os principais desafios que a humanidade deve enfrentar hoje.
Ao receber os embaixadores acreditados junto à Santa Sé, o Pontífice pronunciou um dos discursos mais tradicionais do ano, em que analisa a conjuntura internacional.
Diante de diplomatas representando mais de 183 países, Francisco recordou que o objetivo da diplomacia é “ajudar a deixar de lado os dissabores da convivência humana, favorecer a concórdia e experimentar como, superando as areias movediças da conflitualidade, podemos redescobrir o sentido da unidade profunda da realidade”.
Vacinas: solução mais razoável
Hoje, esta unidade profunda é colocada à dura prova pela pandemia, que fez vítimas inclusive entre o corpo diplomático, como o “saudoso Arcebispo Aldo Giordano, Núncio Apostólico”.
O Papa pediu que prossiga o esforço para imunizar o máximo possível a população mundial, não obstante a desigualdade no acesso às vacinas. Estas, afirmou, não são “instrumentos mágicos de cura”, mas “a solução mais razoável para a prevenção do coronavírus” e é preciso deixar de lado as “fake news”e o embate ideológico:
“Todos temos a responsabilidade de cuidar de nós próprios e da nossa saúde, o que se traduz também no respeito pela saúde de quem vive ao nosso lado. O cuidado da saúde constitui uma obrigação moral.”
Vencer a indiferença
Apesar das restrições, em 2021 foram retomadas as audiências a chefes de Estado no Vaticano, bem como as viagens apostólicas internacionais. O Pontífice mencionou o encontro de reflexão e oração pelo Líbano, e as visitas a Iraque, Budapeste, Eslováquia, Chipre e Grécia.
Ao recordar a etapa na ilha de Lesbos, falou do drama da migração e da necessidade de vencer a indiferença.
“Diante destes rostos, não podemos permanecer indiferentes, nem se pode entrincheirar atrás de muros e arame farpado a pretexto de defender a segurança ou um estilo de vida.”
Não se trata apenas de um problema da Europa, mas diz respeito também à África e Ásia, como demonstra o êxodo de refugiados sírios, afegãos e os inúmeros latino-americanos, sobretudo haitianos.
Direito à vida e à liberdade religiosa
Contudo, diante de desafios globais, as soluções tendem a ser cada vez mais fragmentadas, constatou Francisco, apontando para uma crise de confiança das instituições. “Pelo contrário, é preciso recuperar o sentido da nossa identidade comum de uma única família humana.”
Mais uma vez, alertou para os perigos da colonização ideológica e do pensamento único e reafirmou a existência de valores permanentes, como o direito à vida “desde a concepção até ao fim natural”, e o direito à liberdade religiosa.
O cuidado da nossa Casa Comum constitui o terceiro desafio planetário. Diante de uma contínua e indiscriminada exploração dos recursos, é preciso encontrar soluções comuns e colocá-las em prática. “Ninguém pode eximir-se deste esforço, pois interessa e envolve igualmente a todos.”
Para Francisco, a timidez demonstrada na COP26 deve ser superada na COP27, prevista para novembro próximo no Egito.
Conflitos intermináveis
Mas além das crises globais, há aquelas regionais, que se tornaram “conflitos intermináveis, que por vezes assumem a fisionomia de verdadeiras e próprias guerras por procuração (proxy wars)”. São elas: Síria, Iêmen, Terra Santa, Líbia, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia, Cáucaso e Myanmar.
No caso da América, a análise do Pontífice foi sagaz:
“As desigualdades profundas, as injustiças e a corrupção endêmica, assim como as várias formas de pobreza que ofendem a dignidade das pessoas, continuam a alimentar conflitos sociais também no continente americano, onde as polarizações cada vez mais fortes não ajudam a resolver os problemas reais e urgentes dos cidadãos, sobretudo dos mais pobres e vulneráveis.”
Todos os conflitos são favorecidos pela abundância de armas à disposição. Citando Paulo VI, recordou que quem possui armas acaba mais cedo ou mais tarde por usá-las, porque, “não se pode amar com armas ofensivas nas mãos”.
Dentre as armas que a humanidade produziu, causam particular preocupação as armas nucleares, disse o Papa, reiterando a posição contrária da Santa Sé: “A sua posse é imoral”.
Jamais abdicar da responsabilidade de educar
Convencido de que “diálogo e fraternidade são os dois focos essenciais para superar as crises do momento presente”, o Santo Padre concluiu repropondo dois elementos da mensagem para o Dia Mundial da Paz 2022: educação e trabalho. E manifestou sua dor diante dos abusos cometidos em centros educativos, como paróquias e escolas e a necessidade de justiça.
“Não obstante a gravidade de tais atos, nenhuma sociedade pode jamais abdicar da responsabilidade de educar.”
Ao se despedir dos embaixadores, Francisco citou o profeta Jeremias, que lembra que Deus tem para nós “desígnios de prosperidade e não de calamidade”.
“Por isso, não devemos ter medo de abrir espaço para a paz na nossa vida, cultivando o diálogo e a fraternidade entre nós. A paz é um bem ‘contagioso’, que se propaga a partir do coração de quantos a desejam e aspiram a vivê-la abraçando o mundo inteiro.”
A Santa Sé mantém relações diplomáticas com 183 países. A estes se acrescentam a União Europeia e a Soberana Militar Ordem de Malta.
(Vatican News)