A expressão “Igreja em saída”, utilizada pelo Papa Francisco na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, significa uma Igreja de portas abertas para acolher e, ao mesmo tempo, pronta para ir ao encontro do outro, capaz de chegar às periferias humanas. Nesse horizonte, o Documento de Aparecida, fruto da 5ª Conferência Latino-americana e Caribenha dos Bispos da Igreja Católica, sublinha a urgência de um despertar missionário, na forma de Missão Continental. A compreensão de uma “Igreja em saída”, em estado permanente de missão, decididamente depende da vivência do Evangelho, sempre Boa-Nova. Necessita de homens e mulheres renovados, que vivenciem essa tradição e novidade como discípulos de Jesus Cristo.
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O núcleo central é, portanto, a fé no Deus amor. Eis o desafio: saber tratar a fé à luz da Palavra de Deus, instância com força de correção diante das complexidades da vida contemporânea. Desse modo, é possível tocar o núcleo existencial de cada pessoa e, assim, promover qualificação, constituir sólido alicerce para escolhas que garantam a fecundidade de uma cidadania civil e eclesial. Muitas são as dificuldades enfrentadas hoje pela Igreja Católica, desafiada a dar novas respostas. Isso não se resume simplesmente à análise de dados estatísticos envolvendo perda de fiéis ou a verificação de trânsito religioso. Para além de números, embora eles sejam importantes indicadores na avaliação de processos, o desafio reside no fortalecimento da capacidade para ajudar cada pessoa a qualificar sua dimensão existencial.
As dinâmicas de evangelização na Igreja estão girando entre polarizações – como as próprias do pentecostalismo e aquelas já morridas do racionalismo. Urgente é uma “Igreja em saída”, que eleja como meta as periferias humanas, sem desconsiderar as periferias geográficas. Para isso, conforme sublinha o Papa Francisco, são necessárias transformações de costumes, estilos, horários e de toda a linguagem eclesial. A autopreservação, no dizer do Papa, ou pastoral de conservação, desenha a enorme barreira que atrasa ou impede a esperada resposta.
Assim, estruturas eclesiais que condicionam o dinamismo evangelizador precisam ser renovadas para que a Igreja possa, cada vez mais, ajudar o mundo a superar seus desafios. Esse passo de conversão e essa resposta não são alcançados apenas pela reafirmação conceitual das verdades intocáveis que definem a fé cristã, sua vivência e testemunho. Almeja-se uma nova e inadiável consideração da dimensão existencial do ser humano, para fortalecer a centralidade da fé vivida e professada. Nesse caminho, por meio da Palavra de Deus, será possível qualificar cada pessoa. O primeiro passo é uma revitalização no modo de ser cristão-católico e, consequentemente, avaliar melhor as escolhas pessoais. Não basta investir conceitualmente em mudanças de configurações organizacionais sistêmicas no conjunto dos funcionamentos das estruturas eclesiais. O que precisa ser priorizado é o existencial humano, aprisionado pelo individualismo, dominado exclusivamente por emoções e devocionismos tortos, ou presidido pela hegemonia de uma autonomia que cega, impossibilitando o gosto transformador e libertador de crer.
A luta que atrasa esperados avanços rumo à meta de uma “Igreja em saída” requer urgente substituição de modelos, mentalidades e entendimentos engessados. A prioridade é o dom do encontro com Jesus Cristo pela escuta e vivência da Palavra de Deus. Oportuno é lembrar o que diz o Documento de Aparecida: “Nossa maior ameaça é o medíocre pragmatismo da vida cotidiana da Igreja, na qual, aparentemente, tudo procede com normalidade, mas na verdade a fé vai se desgastando e degenerando em mesquinhez”. Diante dos modelos obsoletos que presidem práticas pastorais e vivências eclesiais e da fé, vale a advertência poética de Fernando Pessoa: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma de nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos que nos levam aos mesmos lugares”. Ora, continua ele dizendo, “é tempo de travessia, e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. Esse é o desafio!
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte