O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro. A data foi escolhida como tributo ao dia da morte do líder negro Zumbi dos Palmares, que combateu a escravidão no Brasil e construiu, junto a muitos irmãos e irmãs negros, uma comunidade em que eles podiam viver em liberdade e com dignidade. Portanto, é um dia para estimular a reflexão sobre a luta do povo negro pela igualdade, contra o racismo e o preconceito.
Embora sejamos cristãos e cristãs, defensores da vida e do Evangelho, muitas pessoas ainda têm resistência para entender a importância da data e questionam “por que não um dia consciência branca ou consciência humana”? Ressaltamos que ainda não é possível falar de consciência humana “de modo geral” enquanto pessoas negras não têm direitos iguais e, em muitos casos, sequer são tratadas como pessoas humanas. Assim, reafirmamos a necessidade da “Consciência Negra”, justamente porque o racismo existe. Um racismo “estrutural e estruturante”. Um racismo reconhecido como sistêmico. Um racismo que está tão naturalizado no Brasil, que estrutura relações sociais e as pessoas não percebem o quanto ele é violento e desumanizador.
Como cristãos e cristãs, profetas da esperança e do amor, somos convidados a fazer essa reflexão e nos questionar sobre a forma como percebemos e vivenciamos a sacralidade e a importância de qualquer vida humana. Vidas negras e pretas importam tanto como todas as outras, também são sagradas, conforme afirma o Papa Francisco: “Não podemos tolerar nem fechar os olhos diante de nenhuma forma de racismo, ou de exclusão, e ao mesmo tempo defender o caráter sagrado de toda vida humana”. (Junho 2020)
Portanto, essa data também nos chama a refletir e reconhecer as humanidades dos diferentes grupos e povos. Olhar com compaixão para a realidade do povo negro no Brasil e de tantos outros marginalizados, como os povos indígenas. Vivemos num país que nega suas origens africanas. Criamos o mito da democracia racial, mas as pessoas negras ainda têm as piores oportunidades, possuem os índices mais baixos de estudo e acesso à universidade e à produção cientifica e intelectual, estão fora dos espaços de poder e decisão.
Basta observar a maioria dos nossos irmãos e irmãs em situação de rua; o grande percentual da população carcerária; o genocídio da população negra (a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado); o contexto das mulheres negras que estão numa situação ainda maior de vulnerabilidade. São as que mais sofrem com a violência doméstica e sexual, as que possuem os maiores índices de mortalidade materna e violência obstétrica. E tão naturalizados estão esses contextos na sociedade brasileira, que as pessoas não atingidas não se incomodam, nem percebem o quanto isso reflete um racismo cruel e estrutural. Portanto, faz-se necessário ressaltar que o racismo vai além do campo individual ou moral. Ele perpassa por um sistema que impede que as populações negra e indígena acessem direitos básicos, e sejam vistas com humanidade e igualdade.
É nesse contexto que convidamos as pessoas brancas a também questionarem sobre seu papel no racismo estrutural da sociedade brasileira. Ainda temos a necessidade de marcar um posicionamento antirracista no Brasil, pois vivemos numa sociedade dos privilégios, e precisamos discutir o papel e a responsabilidade de todos nós, sobretudo os cristãos e cristãs, no enfrentamento dessa chaga na nossa humanidade. É por isso que esse dia da “Consciência Negra” ainda é necessário. Porque a nossa “luta é diária para sermos reconhecidos como sujeitos e impor nossa existência numa sociedade que insiste em negá-la”. (Djamila Ribeiro)
Portanto, o Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu tem esse olhar atento para o povo negro. Reafirma seu compromisso na luta contra o racismo, contra o segregacionismo, contra a opressão e todo tipo de preconceito, inclusive o religioso, prezando sempre pelo diálogo inter-religioso. Solidarizamo-nos e nos mobilizamos na luta contra o racismo, por meio da Pastoral Social, porque acreditamos que é possível construir um reino de esperança, libertação, luta, consciência humana e igualdade.
Ser cristão e cristã é valorizar a vida. E todas as vidas negras e pretas importam.
*Janaina Santos
Coordenadora da Comunicação do Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu e do Movimento Gente do Bem; Assessora da Rensp para Missões e trabalhadora humanitária com pessoas migrantes e refugiadas no Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados